Quando tinha 16 anos, Paul McCartney e John Lennon costumavam pegar um ônibus em Liverpool para ver um guitarrista que sabia fazer um si com sétima maior, acorde essencial no rock.
Décadas mais tarde, evocando essa cena, Paul diria que aquele artista “tinha provavelmente 26 anos, mas nós achávamos que ele era velho demais para ainda estar tocando”.
Aos 72, Paul continua se apresentando e dá sinais de que não vai parar nunca. Os shows no Brasil, parte da turnê “Out There”, têm três horas de duração, durante as quais ele ataca 35 números de um catálogo sem paralelo na história da música popular.
Nos início dos anos 60, ele previu mais um ou dois anos para sua banda e, dali em diante, uma carreira mediana de compositor. Em “When I’m 64”, desenhou um futuro para si que, hoje, não poderia estar mais absurdamente distante.
Macca nunca foi tão popular. Está entre os artistas mais ricos do mundo, enche concertos para até 300 mil pessoas (na Praça Vermelha, em Moscou), lança discos novos, em média, a cada dois anos. Tudo isso carregando nas costas sua própria lenda.
Precisa? Por que não vai para uma ilha contar moedinhas?
“Porque isso é o que eu sei fazer”, respondeu certa vez. “Eu vou morrer no palco tocando ‘Yesterday’ numa cadeira de rodas”. Para o New Musical Express, afirmou que tenta superar a si mesmo. Macca confessou querer compor “mais uma música realmente boa”. Vindo de quem fez o que ele fez — “Golden Slumbers” seria suficiente –, é extraordinário.
Dificilmente esse milagre acontecerá e é injusto cobrar mais do homem. O que importa, no entanto, é que ele não se contenta.
Macca está com o mesmo grupo há 12 anos. A saber: Paul Wickens (teclados), Rusty Anderson (guitarra), Brian Ray (guitarra) e Abe Laboriel Jr (bateria). Mais tempo, portanto, do que com os Beatles e com os Wings. Eles se gostam, se conhecem, se entendem.
As piadas sobre o eterno retorno do dinossauro ao Brasil, a comparação óbvia, idiota e fora de lugar com Lennon, seu suposto bom mocismo (se você tiver mais de 12 anos e chamá-lo de coxinha, precisa consultar um psiquiatra) — tudo isso vira pó na introdução de “Eight Days A Week”.
Na faixa mais bonita de seu último CD, “Early Days”, Macca rememora sua juventude. “Eles nunca vão tirar isso de mim”, canta ele, a voz frágil. “Tantas vezes tive de trocar a dor pelo sorriso, apenas para não enlouquecer”. Ele e o amigo John andavam “de preto, duas guitarras nas nossas costas, procurando alguém que ouvisse a música que escrevíamos em casa”.
Meio século depois, sob as vistas de milhões de pessoas, aquele garoto ainda vive no velho Macca, procurando alguém que ouça sua música.
Texto de Kiko Nogueira, no Diário do Centro do Mundo.
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