sábado, 29 de novembro de 2014

Roubar ou não roubar?

O cronista Carlos Heitor Cony escreveu que a corrupção faz parte do nosso DNA. Citou o prefeito do Rio, Mendes Âncora, e o Maracanã, JK e a construção de Brasília, Maria Andreazza e a ponte Rio-Niterói e Itaipu binacional como exemplos tratados pela mídia como de corrupção sem precedentes. O empresário Ricardo Semler, 55 anos, sócio da Semco, disse em artigo na Folha de S. Paulo que “nunca se roubou tão pouco”. Segundo ele, hoje a corrupção engole 0.8% do PIB brasileiro contra 3.1% e até 5% no passado. Semler é tucano de carteirinha. Fez campanha para Aécio. Mas denunciou a hipocrisia dos que criticam a impunidade e vão gastar em Miami o muito que ganham irregularmente.
Semler lembrou também que quase todo mundo pratica diariamente pequenos atos de corrupção no Brasil como “aceitar um pagamento sem recibo para o médico” ou dar uma cervejinha para o guarda aliviar isto ou aquilo. A direita ironizava o PT por se colocar como o criador de tudo, até da roda, no Brasil com o famoso “nunca na história deste país”. De repente, passou a dizer que “nunca história deste país se roubou tanto”, atribuindo ao petismo praticamente a invenção da corrupção em grande escala. Há, ao menos, cinco problemas nessa abordagem.
O PT, que pregava contra a corrupção, atolou-se nela. Nunca pagará suficientemente por suas contradições e por sua arrogância moralista, o que é uma forma de seus adversários dizerem que o odiavam mais quando estava certo.. Mas fez a melhor política social do país desde Getúlio Vargas, a melhor na vigência da nossa tão esquálida democracia. O bolsa-família, mesmo como ampliação de mecanismos anteriores, e o ProUni são revoluções na paisagem excludente brasileira. Isso absolve o PT? Não. A corrupção, porém, também não anula esse feito. O roubas, mas faz não vale. O que foi feito tampouco deixa de valer. Então? O simplório fica complicado. O simples vira complexo. O PT costuma ter o PMDB, o PP e outros na sua companhia nos grandes escândalos que marcam a sua biografia. O PSDB, principal crítico da roubalheira petista, tem o privilégio da precedência no mensalão e o ônus da semelhança com o Petrolão no propinoduto de São Paulo.
Falar dessas equivalências provoca uma reação ensaiada: defesa dos ladrões petistas? Chantagem barata. Atribuir ao petismo a invenção da corrupção ou o seu recorde tem a ver com uma estratégia ideológica destinada, antes de tudo, a invalidar suas políticas sociais. É isso que incomoda realmente. Por causa disso se deve perdoar ou tolerar o PT que manda no país? Não. O petismo não perdoa. Se o petrolão fosse tucano, o PT estaria exigindo pena de morte para todos os envolvidos. Aqui se faz, aqui se paga. É o lema da corrupção que faz a festa das empreiteiras e o caixa de campanha dos partidos. Sempre se roubou. Sempre se roubará? Somos um país de ladrões?
Não há lugar para a dúvida shakespeariana entre nós: roubar ou não roubar? Roubar.
Nossa dúvida existencial é outra: como preservar e ampliar as políticas sociais do petismo acabando, ao mesmo tempo, com o triste hábito nacional da corrupção? Certamente isso não aconteceria pela simples entrega do poder aos tucanos. Só quem acredita em Papai Noel se convenceu de que nada havia de irregular nos aeroportos nas terras da família de Aécio Neves. Nosso único consolo é que nunca se investigou e puniu tanto a corrupção no Brasil. A impunidade começará a chegar ao fim quando deixarmos de falar ao celular enquanto dirigimos.
É isso.
Talvez.

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