Não consigo deixar de lembrar.
É o meu grande defeito.
Mas não lembro como Funes, o memorioso, personagem de Borges, que lembrava tudo integralmente. Lembro por palavras-chave, por hastag. Isso me faz ir buscar o que falta. Nesses meses de campanha eleitoral, minha memória foi acionada várias vezes. A sensação era de já ter visto tudo, já ter lido tudo, de estar no retrovisor do tempo. Fui reler meus livros, que são a minha memória artificial. Encontrei, em “Getúlio”, muitas situações similares às de hoje. Nunca mudaremos? Jamais?
“Getúlio continuava madrugador. Hábito de homem da campanha. Desde a tentativa de impeachment contra ele, barrada no parlamento, em 4 de junho, dormia ainda menos. A ‘banda de música’, de Aliomar Baleeiro, Bilac Pinto, Afonso Arinos, Raul Fernandez, Prado kelly, Guilherme Machado, Herbert Lévy e os outros, havia perdido uma batalha, mas não desistiria da guerra. A acusação de que Perón havia financiado parte da sua campanha, em 1950, havia mobilizado a oposição. Em 1953, tinha perdido a colaboração de João Neves. Depois de uma entrevista, denunciando um suposto pacto do ABC, entre Argentina, Brasil e Chile, comandado por Perón, e articulado por Batista Luzardo, em nome dele, Vargas, João Neves pediu demissão da pasta das Relações Exteriores. O grosso da crise, pensou Getúlio, datava dali, do instante em que João Neves se bandeou para o outro lado, com armas e munições pesadas. Cada vez mais solitário, acabava de escapar de mais uma tentativa de golpe branco. Mas, de um certo ponto de vista, no último mês e meio, depois do fracasso do impeachment, a situação até tinha melhorado, embora Lacerda ainda inventasse um escândalo por dia”.
Passei anos na França sem nunca ouvir falar em impeachment. A oposição contentava-se em esperar a eleição seguinte para tentar tomar o poder. No Brasil, desde sempre, o impeachment é um atalho sedutor.
Era nisso que Getúlio pensava enquanto afundava na solidão.
Escrevi: “O impeachment havia encontrado a surpreendente resistência de Eurico Gaspar Dutra, seu ministro da Guerra no Estado Novo e seu sucessor, como presidente da República eleito, depois do golpe de 29 de outubro de 1945 e da interinidade de José Linhares. Dutra era um germanófilo e fascistoide, frequentador, na ditadura, do Clube Germânia, como Góis, Lourival, Filinto Müller e Francisco Campos, que só chegou à presidência da República por que ele, Getúlio, da solidão em São Borja, lançou, finalmente, o “ele disse”, a recomendação aos eleitores de que votassem num milico que sempre lhe pareceu meio parvo, embora lhe tivesse prestado bons serviços, principalmente em 1935, quando ajudou a sufocar a Intentona Comunista no Rio de Janeiro”. Sempre igual.
A “banda de música” de hoje tem Merval Pereira, Ricardo Noblat, Reinaldo Azevedo, Arnaldo Jabor, Rodrigo Constantino e tantos outros. O ritmo ainda é o mesmo. A revista Veja tomou o lugar do jornal Tribuna da Imprensa. Os acertos acabam engolidos pela lógica de oposição. Em lugar de cobrir os fatos, a mídia quer determiná-los.
Adianta lembrar? Melhor esquecer. Tudo se repetirá mesmo.
Em 1964, os instrumentos e os muitos dos músicos se repetiriam.
Passados 50 anos, o som ainda é o mesmo.
Reprodução do Blog do Juremir Machado da Silva.
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