De fato, há ingenuidade na revolta de pessoas da esquerda com os convites a Kátia Abreu e Joaquim Levy para o novo ministério. Mas há cinismo naqueles que as condenam.
Os eleitores de Marina Silva que acreditam que ela, com alianças e nervos frágeis, conseguiria criar uma "nova política" e "governar com os melhores" são ingênuos. Os que tripudiam de quem pede que Dilma Rousseff se afaste da velha política e escolha nomes menos conservadores são cínicos.
Os eleitores de Aécio Neves que asseguram que ele faria uma faxina ética e montaria um ministério técnico são ingênuos. Os que torcem para que a situação econômica do país piore são cínicos.
Não se governa sem doses de cinismo --ou pragmatismo, se soar mais elegante. Quem não percebe isso é ingênuo. Mas mudanças sociais significativas não ocorrem sem cargas de ingenuidade --ou esperança. Quem ri disso é cínico.
Há governantes que melhoram a vida das pessoas sem perder a ingenuidade (José Mujica). Há outros que levam milhares à morte com seu cinismo (George W. Bush). Crer que em política existam nítidos o bom e o mau é ingenuidade. Apregoar que todos moram na mesma lama é cinismo.
Parte da população pode ter votado em Dilma para defender as conquistas dos últimos anos, não por achá-la brilhante ou seu governo incorruptível. Ingenuidade? Talvez. Mas há muito de cinismo na rejeição aos programas voltados para os mais pobres e no mal disfarçado racismo dos que são contra o acesso mais democrático às universidades.
Em contraponto aos cínicos que se fingem de ingênuos e ocultam preconceitos sob a justa bandeira do basta à corrupção, merecem respeito os ingênuos que expressam em público seu horror ao cinismo das tenebrosas transações.
Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo.
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