Outro dia, ao tentar fazer uma limpeza no gravador digital, cuja
capacidade estava próxima do limite, me dei conta de um problemão: ainda
não havia assistido a quase a metade dos programas de TV que agendei
para gravar.
Ali estavam, à minha espera, capítulos de novela e episódios de seriados
que acompanho, mas que, por motivos diversos, não consegui ver na hora
em que foram ao ar. Também me aguardavam, no gravador, várias atrações
que, por dever de ofício, me obriguei a ver "um dia", mas que seguem
"inéditas".
Ao lado do aparelho de TV, também descansa, ainda à minha espera, meia
dúzia de DVDs com episódios de programas que recebi, mas ainda não tive
tempo ou coragem de assistir, sem falar de algumas caixas de séries
antigas que comprei para rever, porém nem consegui tirar o plástico que
as protegem.
Há ainda o provedor on-line, me lembrando, com base nas minhas
preferências, de várias novidades –estreias ou novas temporadas– para
ver. Sem falar dos canais na internet, que proliferam como coelhos.
A rigor, o excesso de oferta não chega a ser uma novidade. Mais recente é
essa promessa de facilidade oferecida pelas mais variadas plataformas
(hoje você pode ver o que quiser, onde, como e na hora que bem
entender).
São duas coisas positivas, tanto a oferta cada vez maior e variada,
quanto a facilidade de acessá-la, mas que, reunidas, produzem um efeito
colateral: a angústia de não dar conta, a sensação de estar perdendo
alguma coisa.
A ideia de que, agora, o espectador tem controle maior sobre a sua
rotina não é de todo verdadeira. Como escreveu James Poniewozik, crítico
de TV da revista "Time", é preciso aceitar que há limite na capacidade
de ludibriar o tempo. "Você não vai ver tudo o que você quer ver e fazer
tudo o que quer fazer. Você terá que escolher", escreveu a respeito
deste problema.
O drama certamente é maior para o crítico de TV, que precisa fazer
escolhas o tempo todo. Tento acompanhar, prioritariamente, o que o maior
número de pessoas está vendo, o que resulta, pela ordem, em seguir a
programação da televisão aberta e dos canais pagos.
Essa opção deixa lacunas, evidentemente. Outro dia, o humorista Fábio
Porchat reclamou publicamente de mim. "O mundo começou a abrir a cabeça e
se livrar do ranço de que só quando passa na TV é que é bom, de
qualidade", escreveu no "Estadão".
Porchat estava reclamando de duas coisas. Primeiro, do fato de eu nunca
ter escrito uma coluna dedicada ao Porta dos Fundos –o canal de humor
mantido por ele e outros humoristas no YouTube desde agosto de 2012.
Segundo, por eu ter escrito em meu blog no UOL uma crítica negativa a
respeito da estreia do programa do grupo no canal pago Fox.
Aceito a primeira objeção de Porchat. Ainda que tenha classificado o
Porta dos Fundos como um dos protagonistas da TV em 2013, nunca fiz uma
análise detalhada dos vídeos do grupo.
Por outro lado, é irônico ver como um grupo que nasceu na contramão do
"sistema" estabelecido de TV, surfando em novas plataformas, se ressente
de comentários da crítica da "velha" mídia. É um sinal de que, por ora,
as minhas prioridades ainda estão corretas.
Texto de Mauricio Stycer, na Folha de São Paulo.
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