Há certamente alguma coisa muito errada num país em que o ministro da Fazenda "precisa" ser escolhido pelo setor financeiro. O capitalismo "financeiro" não é, e é incrível que pretenda ser, um fim para si mesmo. Sua arrogância é tal e tamanha que o leva a esquecer porque existe.
Um dia --antes que se apropriasse do setor real da economia e o de poluir com seu excesso de imaginação e derivativos--, ele foi fundamental para promover as inovações e os investimentos que estimularam o crescimento econômico e a prosperidade geral.
Por duas vezes no mundo, nos anos 20 e nos 80 do século passado, o fundamentalismo monetário, tornou artigo de fé o "mercado perfeito que se auto-regulava". E colhemos duas crises mundiais pelas mesmas causas: a sua profunda imoralidade e o delírio do risco alavancado quando desregulado. Agora chega!
Primeiro, porque não há controle eficaz quando o agente da ação acumula a função de ser seu próprio fiscal.
Todos combatem com razão, o aparelhamento das agências reguladoras feito pelo PT com seus "companheiros" de passeata. Todos defendem a escolha de agentes profissionalmente "competentes, diligentes e independentes".
Ninguém defende que os membros da Anatel "devem" ser indicados pelas empresas de telecomunicações! Já devíamos ter aprendido que a tentativa de "captura do fiscal pelo fiscalizado" é problema universal ligado à natureza humana e deve ser prevenido.
Segundo, porque devemos aceitar como um axioma que um "homem do mercado" conhece necessariamente o funcionamento do mercado e a "última" teoria monetária (supondo que ela exista e está bem consolidada)?
Seguramente ele sabe menos sobre as implicações macro e microeconômicas das medidas monetárias do que, por exemplo, um inteligente e honesto profissional que vem durante anos tentando encontrar relações estáveis entre as manobras da taxa de juro real e seus efeitos sobre a taxa de câmbio real. Ou entre os condicionamentos que a "dominação fiscal", o excesso de demanda pública e a política salarial distributivista, impõe sobre a potência da taxa de juro real de longo prazo. Pelo contrário, o mais provável é que a miopia do "homem do mercado" o leve a não ver nada além das minúsculas "opões" especulativas abertas por sua própria ação, o que, do ponto de vista macroeconômico, é de uma pobreza lamentável.
Tome seu tempo, senhora presidenta. Escolha livremente, com cuidado e segurança, na administração pública, na academia ou mesmo no mercado, o substituto do ilustre ministro Guido Mantega, que pagou um alto preço por sua fidelidade ao partido e ao seu governo.
Texto de Antonio Delfim Netto, na Folha de São Paulo.
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