Para nós, pais de pessoas com autismo, a morte de Rafael, filho de Jô Soares, dói como a de alguém próximo.
Quando a loteria genética nos prega uma peça, um perverso mecanismo de defesa é pensarmos em celebridades que vivem situações semelhantes. Como são elas as divindades do presente, queremos que nos confortem com a publicidade de seus infortúnios.
Enlutados, alguns pais se pegam condenando os famosos por não exporem seus casos com a intensidade que o nosso sofrimento reclama.
Há alguns anos, lia-se na internet que Jô escondia seu filho autista. Mentira. Ele levava Rafael ao clube, às ruas, mostrou-o na imprensa.
Jô teve recursos para permitir ao filho único desenvolver suas aptidões. Não é a regra no Brasil.
Felizmente, os deficientes e autistas de famílias muito pobres têm direito constitucional ao BPC (Benefício de Prestação Continuada). Hoje, 1,9 milhão dessas pessoas recebem um salário mínimo todo mês.
Mas em qualquer estrato, apesar de conquistas recentes, ainda é difícil encontrar opções satisfatórias na educação, na saúde, nas terapias. Travam-se batalhas de Davi (ou de Sísifo) contra a burocracia, a indiferença dos políticos, o descaso dos planos de saúde, o despreparo dos profissionais.
Perpassando tudo está a inadequação à lógica capitalista. O jornal "O Globo" sintetizou isso em editorial de seis dias atrás: dividiu o país em "nós" (os que produzem e que pagam impostos) e "eles" (os que dependem de programas sociais). Como muitos de nossos filhos não fabricam bens nem pagam IR, estão no time dos estorvos nacionais --com os loucos, os indígenas, os indigentes. Já ricos que burlam o Fisco ou especulam na Bolsa são "empreendedores".
Se um dia isso mudar, alguém recordará Rafael e outros filhos que não puderam esperar tanto.
Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo. Destaque do blogueiro.
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