terça-feira, 25 de novembro de 2014

A estabilidade francesa


Venho a França todos os anos.
Morei quase seis anos, ao todo, em Paris.
A minha relação com a França começou em 1991.
De lá para cá, muita mudança e quase nenhuma.
É verdade que PPDA, antigo William Bonner francês, não apresenta mais o jornal de 20 horas.
Mas Claire Chazal, apresentadora do 20 horas no final de semana, continua firme.
Parece a mesma. Há mais de 20 anos.
As mulheres, mais agudas nessas análises, cutucam:
– Ela envelheceu.
Jean-Pierre Pernault, apresentador do jornal de 13  horas da TF1 (a Globo francesa), também continua no posto.
A gente liga a televisão e se sente tranquilo, em casa, num ambiente familiar.
Entrei na banca de jornais do rue de Vaugirard. O dono, que me vendeu revistas e jornais durante quase dois mil dias, levantou a cabeça com a lentidão de sempre e, como se eu não tivesse ido embora, balbuciou preguiçosamente.
– Bom dia, Monsieur Machado.
A França é estável até na instabilidade. As polêmicas do momento envolvem, por exemplo, a flexibilização das 35 horas semanais de trabalho. Todo ano é a mesma coisa. Algum economista ou algum empresário tenta. Gera uma revolta sindical. Tudo fica na mesma. Tocar nas 35 horas é visto pelos sindicatos como uma ideia “extremista”, “retrógrada” e “medieval”.
Outra polêmica, ainda mais violenta, diz respeito à sugestão de dois economista de congelar os salários por três anos.
Não existe França sem polêmica – social, política  e literária –, sem estabilidade e sem manifestações.
O outono, normalmente, é a temporada das greves.
Os médicos ameaçam parar. Eles são contra um projeto do governo socialista. O ministério da Saúde quer que os pacientes não precisem mais desembolsar uma quantia por consulta – em torno de 25 euros. Essa soma é quase totalmente reembolsada (o paciente paga 1 euro). O projeto prevê que o pagamento seja feito diretamente pela Previdência eliminando a burocracia e liberando cada pessoa de meter a mão no bolso. Os médicos estão furiosos. Asseguram que isso desvaloriza o trabalho deles, pois daria a entender que a saúde é gratuita, estimulando o crescimento das consultas desnecessárias.
Adoecer, para um estrangeiro, na França é uma aventura. Se o seguro médico expirar, o rolo é certo.
Um hospital público queria dois mil euros por uma noite de hospitalização para tratar de uma crise de hérnia de disco.
Velha França, sempre socialista, sempre hipercapitalista.
Aqui, não é preciso defender a preservação das tradições.
A França é a tradição.
Os jornalistas praticam o bateu-levou.
Um leitor enviou um comentário a um jornalista: “Não estou gostando”.
A resposta foi imediata: “É só não ler. Não se sacrifique”.
Velha França de guerra. Ninguém leva desaforo para casa.
Outros combates do momento: contra o racismo e contra a homofobia.
A regra do jogo é: complacência zero com manifestações racistas e homofóbicas.
Não tem essa de “foi só uma maneira de dizer” ou “foi no calor da discussão”.
Falou, pagou.
Até 2015.

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