No dia 7 de agosto, data do ataque-relâmpago dos jihadistas ao norte do Iraque, Al-Kosh se tornou não só a linha de frente como também a última cidade cristã do país livre de qualquer domínio islâmico. Figura da comunidade católica caldeia do Iraque, o padre Gabriel Toma dirigia o monastério dessa cidade, um renomado centro de estudos sobre a Igreja do Oriente, que também serve de orfanato. Ele se refugiou em Zakho, no norte do Curdistão iraquiano, assim como muitas famílias de Al-Kosh.
Le Monde: O que aconteceu na noite de 7 de agosto, quando a cidade de Al-Kosh foi deixada por seus habitantes?
Padre Gabriel Toma: Durante a noite vieram me dizer que a cidade de Talkaif havia caído nas mãos do Estado Islâmico. Chamei as forças de segurança curdas, elas me disseram que não tinham informações. Nós constatamos na entrada da cidade que os peshmergas (combatentes curdos) estavam saindo em massa diante do avanço dos islamitas. Eu estava no monastério. Tivemos de partir também. A fila de carros era interminável. As pessoas choravam. No dia seguinte, voltei ao monastério e peguei os manuscritos mais valiosos antes de fechá-lo. E chorei.
Le Monde: O senhor viveu e estudou por vários anos no Vaticano. O senhor pretende emigrar para a Europa ou para os Estados Unidos, como alguns governos permitiram antecipar para os cristãos do Iraque?
Padre Gabriel Toma: Não, meu lugar é no monastério de Al-Kosh e perto de minha comunidade. Se eu partir, será um sinal terrível e significará que os cristãos terão sido definitivamente varridos do mapa. Não é a primeira vez que nossa comunidade é alvo de violência. Ainda há uma solução para que possamos ficar em nosso país e praticar nosso culto.
Le Monde: De qual maneira?
Padre Gabriel Toma: Al-Kosh e as cidades e vilarejos cristãos do norte do Iraque devem ser integrados a um Curdistão independente de Bagdá. Queremos que o Curdistão obtenha sua independência, pois os curdos são os únicos que nos protegeram e em quem confiamos.
Le Monde: Mas o senhor não teme que os curdos os usem para ampliar seu território e conquistar sua independência?
Padre Gabriel Toma: Eles também foram vítimas de violência e de repressão. Assim como nós, o laço deles com Bagdá foi cortado. A mídia muçulmana tem feito propaganda dizendo que há 15 dias Al-Kosh está sob controle dos islamitas, o que é mentira. Eu tinha um velho amigo muçulmano em Desrestoum, perto de Al-Kosh; no dia 7 de agosto à noite, ele não respondeu a nenhuma de minhas chamadas. Para muitos árabes aqui, o Estado Islâmico não é um movimento terrorista.
Le Monde: O senhor não acredita mais em um Iraque onde possam coabitar diferentes comunidades religiosas?
Padre Gabriel Toma: Desde 2003, não houve um único dia de paz, não parou mais de correr sangue e a força é a única linguagem que se usa desde a intervenção americana. O regime que foi instalado em Bagdá é uma farsa, uma mentira. A liberdade prometida é uma ilusão, assim como a democracia. A capital só foi o local de negociações entre chefes de bandos.
Le Monde: O senhor atribui somente aos Estados Unidos a violência que reina no país e que está sendo perpetrada contra as minorias religiosas?
Padre Gabriel Toma: Na verdade, eu digo que a política conduzida pelos Estados Unidos no Iraque levou as comunidades a se levantarem umas contra as outras para atingir seus objetivos. Mas aqui os equilíbrios são muito antigos e frágeis, eles privilegiaram uma estratégia a curtíssimo prazo, e agora o país está em um caos indescritível. Nós, cristãos, conseguíamos viver durante o regime de Saddam Hussein, mas hoje não.
De Jacques Follorou, para o Le Monde, reproduzido no UOL.
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