Segregação racial voluntária no país gera um estado de 'nós contra eles'
MICHAEL KEPPESPECIAL PARA A FOLHA
Nos EUA, o racismo e a violência que ele engendra são tão desenfreados que não me surpreende o assassinato de um jovem negro, desarmado, por um policial branco em Ferguson, no Missouri. Cresci noutro subúrbio de St. Louis, a 15 km dali.
O movimento pelos direitos civis nos anos 1960 ajudou negros a melhorar sua situação econômica e a migrar de guetos urbanos pobres para subúrbios brancos, de classe trabalhadora, como Ferguson, ou, em alguns casos, de classe média, como o meu.
Quando isso aconteceu, brancos de subúrbios de classe média foram para "exúrbios" mais afluentes, ainda mais distantes, fenômeno conhecido como fuga branca.
Mas, para brancos que viviam e trabalhavam em lugares como Ferguson, o êxodo era economicamente inviável, mesmo quando a população negra já predominava.
Isso explica por que, embora negros sejam hoje 67% dos residentes de Ferguson, o efetivo policial do subúrbio é quase todo branco. Mas é aí que a integração racial para.
Nessa e em quase todas as cidades americanas, casamentos interraciais (proibidos nos EUA até 1967) são raros. E negros e brancos vão a igrejas diferentes. "É chocante que o horário de maior segregação na América cristã seja domingo às 11h", disse Martin Luther King.
Essa segregação racial voluntária gera um estado de "nós contra eles". É difícil imaginar Darren Wilson, o policial que ordenou que Brown saísse da rua e fosse para a calçada, mandar um jovem branco fazer o mesmo.
A polícia de Ferguson e testemunhas negras têm versões conflitantes do que ocorreu, exceto pelo fato de que Wilson atirou em Brown, que estava desarmado, várias vezes.
As vidas de muitos americanos negros têm sido encurtadas assim. O caso mais conhecido é o de Trayvon Martin, jovem desarmado que, em 2012, foi morto a tiros por George Zimmerman, filho de pai branco e mãe hispânica e vigia de uma cidade de classe média na Flórida.
Um júri de cinco mulheres brancas e uma hispânica absolveu Zimmerman.
Essa injustiça é o motivo pelo qual centenas de pessoas, algumas gritando "nós somos Michael Brown", protestam em Ferguson desde seu assassinato. Mesmo a polícia, com prisões, gás lacrimogêneo e balas de borracha, não foi capaz de dissuadi-los.
Eles querem que Wilson seja julgado e condenado, apesar do racismo que permeia o sistema penal americano.
Os negros são 13% da população dos EUA, mas 40% dos americanos encarcerados. Um em cada três homens negros, cedo ou tarde, será preso, de acordo com a The Sentencing Project, ONG que defende a reforma do sistema judiciário penal.
Até que isso aconteça, o sistema e os policiais continuarão a discriminar negros, especialmente em comunidades multirraciais, como Ferguson. O lema do lugar é "passado orgulhoso, futuro promissor". Será?
Reprodução da Folha de São Paulo.
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