quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Jogo de números: conceitos sociais não acompanham evolução populacional

Certo dia no início dos anos 70, quando estava chegando ao meu 40º aniversário, um amigo disse para minha mulher e a mim que estava prestes a fazer 50. Nós o olhamos com espanto e com um toque de consternação: ele era o amigo mais velho que tínhamos. Cinquenta era uma idade venerável, a de um idoso.

É claro, uma década depois eu cheguei ao meu próprio 50º aniversário. Mas àquela altura meu ponto de vista tinha mudado enormemente: 50 era a idade de um adulto na plenitude da maturidade, mas o número não mais me fazia pensar em velhice. No meu caso, eu estava prestes a começar minha segunda vida como romancista, assim, se eu sentia algo, era de ser um iniciante.

Com o passar do tempo, nós continuamos movendo a marca. Atualmente, os quinquagenários se consideram jovens adultos com muitas décadas de vida à frente. Meus colegas de universidade que se especializaram em gerontologia me dizem que, na visão deles, a velhice não começa até os 75 anos. E eu tenho amigos nonagenários cujos níveis de energia impressionantes não mais me surpreendem --sem falar de um amigo que tem 104 anos e é bem mais ágil que eu. E pensar que, quando eu era menino, se alguém chegasse aos 100 anos, sua foto seria publicada nos jornais de domingo ao lado de fotos de abóboras gigantes, bezerros de duas cabeças e outras curiosidades locais. Talvez em 2050, os centenários se perguntarão como passarão seus 50 anos restantes de vida.

Em um nível, nós deveríamos estar celebrando os triunfos da ciência e do progresso: melhor nutrição, descobertas médicas incríveis, avanços tecnológicos que há não muito tempo pareceriam coisas de ficção científica. Mas viver mais tempo significa termos que nos sustentar por mais tempo. E em períodos de crise, quando as empresas fecham ou recorrem a demissões, muitos trabalhadores quinquagenários ou mais velhos são forçados a recomeçar. Apesar de seus anos de experiência, nenhuma empresa os quer e eles se veem em um limbo: jovens demais para se aposentar e começar a receber pensões, mas velhos demais para serem considerados para os tipos de emprego que tinham. (Para deixar claro, estou pensando principalmente nos países ocidentais, onde esse problema é visto com frequência demais.)

Nos últimos anos, é claro, as empresas também têm relutado em contratar jovens. Mas isso é um resultado da crise financeira e, cedo ou tarde, passará. O mercado de trabalho em algum momento estabilizará --para aqueles na faixa dos 30 anos, mas não para aqueles que já passaram dos 50.

Como pode ser isso? Pessoas com mais de 50 anos são praticamente jovens atualmente, mas não têm mais nenhuma utilidade para o mercado? O que temos aqui é uma contradição entre o psicológico e o sociológico. Grandes avanços na ciência e na medicina podem nos ajudar a manter nossa juventude, mas nossos conceitos sociais não evoluíram no mesmo ritmo. Quinquagenários ainda são vistos como idosos e, portanto, não são dignos de investimento.

Assim que deixarmos esta crise financeira firmemente para trás, será que o senso comum alcançará o progresso científico ou as pessoas continuarão pensando da mesma forma que no passado, nos tempos em que viver até os 100 anos era considerado uma grande notícia? Se as hipóteses mais pessimistas vencerem, então assim como atualmente temos massas de jovens desempregados sendo sustentadas por seus pais que ainda não foram espremidos para fora do mercado de trabalho (ou que recebem aposentadoria), nós também teremos massas de quinquagenários (jovens) desempregados deixados de lado, provavelmente sendo sustentados por seus filhos.
 
Texto de Umberto Eco, no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

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