terça-feira, 5 de agosto de 2014

Além da compreensão?


Embora provavelmente não tivesse a intenção de provocar algo tão chocante, Nicolau Copérnico, em um tratado do século 16, deu origem à ideia de que os seres humanos não ocupam um lugar especial no céu. Quase 500 anos depois, passamos a nos ver apenas como uma espécie a mais em um planeta orbitando em torno de uma estrela no universo que chamamos de lar. E este pode ser apenas um dos muitos universos.
Apesar dos sucessivos rebaixamentos, continuamos confiantes de que nosso bando de primatas dispõe do que é necessário para entender o cosmos. É quase dado como certo que tudo, da física à biologia, passando pela mente, se resume afinal de contas a quatro conceitos fundamentais: matéria e energia interagindo em uma arena de espaço e tempo.
Mas alguns céticos desconfiam que esteja faltando uma peça essencial. Não há razão para crer que, neste século em particular, o Homo sapiens já tenha juntado todas as peças necessárias para uma teoria de tudo. Ao deslocar a humanidade de uma posição privilegiada, o princípio copernicano se aplica não apenas a onde estamos no espaço, mas a onde estamos no tempo.
Desde que foi publicado, em 2012, "Mind and Cosmos" (mente e cosmos), do filósofo Thomas Nagel, tem causado muita polêmica. Nagel rejeita a ideia de que o universo se resume a matéria e forças físicas. Ele também duvida de que as leis da evolução possam ter produzido algo tão excepcional como a vida senciente.
Nagel, que é ateu, acredita que as respostas ainda podem ser encontradas por meio da ciência, mas somente se ela for expandida. "Os seres humanos são viciados na esperança de um acerto de contas final", escreveu, "mas a humildade intelectual exige que resistamos à tentação de pressupor que o tipo de ferramentas que temos agora são, em princípio, suficientes para entender o universo como um todo".
Nagel considera surpreendente que o cérebro humano tenha desenvolvido uma ciência e uma matemática tão em sintonia com o cosmos, o que torna possível prever e explicar tantas coisas. Os neurocientistas acreditam que tais faculdades mentais de alguma forma decorrem da sinalização elétrica dos neurônios. Mas ninguém conseguiu chegar perto da explicação de como isso ocorre. Isso, como propõe Nagel, pode exigir outra revolução: mostrar que a mente, em conjunto com a matéria e a energia, é "um princípio fundamental da natureza" -e que vivemos em um universo preparado para "gerar seres capazes de compreendê-lo". Em vez de ser uma série de mutações aleatórias, a evolução teria uma direção, talvez até mesmo um propósito.
Nagel não está sozinho ao defender tais ideias. O biólogo Stuart Kauffman sugeriu que a teoria darwinista precisa ser ampliada para explicar o surgimento de criaturas inteligentes. E o filósofo David Chalmers pediu aos cientistas que considerem seriamente o "pampsiquismo" - a ideia de que algum tipo de consciência, ainda que rudimentar, permeia as coisas do universo.
Agora, um novo livro do físico Max Tegmark sugere que um ingrediente diferente -a matemática- precisa ser incorporado à ciência como uma das partes irredutíveis da natureza.
Tegmark, em seu livro "Our Mathematical Universe: My Quest for the Ultimate Nature of Reality" (nosso universo matemático: minha busca pela natureza suprema da realidade), diz que o universo é uma estrutura matemática.
Mas os números, apesar de todo o poder, seriam realmente a raiz da realidade? Ou são um produto da mente humana? O matemático Edward Frenkel observou, ao resenhar o livro, que apenas uma pequena parte do vasto oceano da matemática parece descrever o mundo real. O resto parece dizer respeito apenas a ela própria.
Em última análise, pode ser que, daqui a milênios, a ciência na Terra por volta de 2014 pareça ter sido apenas bom começo, e nada mais que isso.


Texto de George Johnson, para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo.  

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