sábado, 23 de agosto de 2014

O marginal e espesso Ike do Valle

“As portas que se abrem apontam portas fechadas / Las puertas que se abren dan a puertas cerradas”Henrique do Valle – A Espessa Verdade / La Espesa Verdad
No texto do seu trabalho de organização, apresentação e notas do livro  “Henrique do Valle: obra reunida” (IEL/Corag, 440 páginas; R$ 40,00), o poeta, letrista, escritor, professor de Literatura Brasileira e doutor em Letras pela Ufrgs, Paulo Seben, que tinha quatro livros de Ike em seu gabinete no Instituto de Letras da Ufrgs, explica que não estava preparado para a surpresa da localização de uma mala junto à cunhada do poeta, Marta Schönfeld, com material inédito do poeta que viveu apenas 22 anos (1958-1981), por Elisa Henkin e Susana Guindani, além de um envelope com cerca de 30 poemas inéditos junto a Adelar Finatto. Isto era lá 2011, numa das reuniões do Conselho Editorial do Instituto Estadual do Livro (IEL). 
Após pouco mais de três anos e um trabalho árduo e prazeroso de Seben (autor de Tango da Independência e  Caderno Globo 33), o livro será lançado nesta quinta, 21 de agosto, às 19h, na sede do Instituto Estadual do Livro (André Puente, 318 – Bairro Independência – Porto Alegre). Considerado o mais marginal e radical poeta da cena boêmia porto-alegrense do final dos anos 70, Ike teve sua obra resgatada pelo Instituto  Estadual do Livro, juntamente com originais inéditos perdidos durante trinta anos.  Sobrinho do ex-presidente João Goulart, Henrique do Valle passou pela traumática experiência do exílio. O seu primeiro livro, “A espessa verdade/La espesa verdad”, publicado em Buenos Aires em 1973, aos 15 anos, foi considerado uma das grandes promessas da poesia no Rio Grande do Sul. Em vida, publicou ainda mais dois livros: “Vazio na carne” (1975) e “Anotações do tempo” (1979); “Do lado de fora” foi uma obra póstuma, publicada em 1981. O poeta mergulhou no álcool e nas drogas, todas elas, em especial o LSD e a maconha, que o levaram a várias internações e à prisão. As vivências foram transmutadas em poesia amarga, delirante, mas capaz de alcançar uma consciência que superou o maniqueísmo daqueles anos de chumbo.
A expectativa de Seben em sua nau pelo manuseio e trabalho e organização dos originais de Henrique do Valle só naufragou pela infelicidade de entre os textos que chegaram ao IEL não estava o livro A Engrenagem da Angústia: “Infelizmente A engrenagem da angústia continuou oculta no espesso vazio do tempo”. Mais informações pelo e-mail iel@sedac.rs.gov.br ou fone (51) 3314-6450. Para fechar um poema de Ike do livro “Do Lado de Fora”, chamado “Dor”, que mostra todo o engajamento e a consciência política da sua poesia:

DOR
E veio a dor
a miséria
o desespero.
E veio o vereador
prometendo um ranchinho aos indigentes.

Depois foi para casa trepou com a mulher
e mandou a empregada comprar um arenque defumado.

Faltou água na vila inteira
e isso é só uma gota aberta.



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