Frota de veículos cresce mais rápido que a estrutura viária no país
ANDRÉ MONTEIRO
DE SÃO PAULO
DE SÃO PAULO
A frota de veículos nas maiores cidades do país cresceu bem mais que a estrutura viária nos últimos anos.
De 2003 para 2012, enquanto a frota aumentou 92%, a extensão de ruas subiu 16%.
A informação é de pesquisa inédita da ANTP (Associação Nacional de Transportes Públicos), que comparou dados de 438 municípios com mais de 60 mil habitantes.
A entidade usou dados oficiais para estimar a frota que efetivamente está em circulação e a quilometragem do sistema viário. O cálculo é baseado no tamanho e no crescimento das cidades e não inclui novas obras como de viadutos, por exemplo.
Segundo o engenheiro e sociólogo Eduardo Vasconcellos, coordenador do trabalho, a malha viária já está estabelecida e cresce conforme o aumento da população.
Com isso, a explosão da frota, principalmente de carros (70%) e motos (209%), explica os congestionamentos cada vez maiores nos grandes centros e que já chegam também ao interior do país.
"Um aumento de 5% da frota causa um impacto muito maior no trânsito, pois a relação entre fluxo e tempo de percurso não é linear. Em cinco ou seis anos a cidade entope", diz Vasconcellos.
Ele avalia que a experiência nos países mostra que a saída não passa por gastar milhões para abrir mais ruas e avenidas, que inevitavelmente vão lotar. Cita como exemplo a cidade de Los Angeles, nos EUA, que tem grande quantidade de vias expressas mas sempre figura entre as campeãs de lentidão.
O caminho, diz, é fomentar o transporte coletivo e, principalmente, acabar com o estímulo oficial concedido ao transporte individual –como a redução de impostos para a compra de novos veículos e subsídio à gasolina.
A pesquisa aponta que a gasolina subiu 38% em dez anos, menos que a inflação de 160% do INPC/IBGE.
"Descontando o gasto com a compra e manutenção, o custo de usar o carro em um mesmo deslocamento é equivalente à tarifa do transporte público nas nossas cidades. Na Europa, essa relação é de cinco vezes", diz.
Para Vasconcellos, a melhoria do transporte coletivo é urgente, mas enquanto "o custo de usar o carro for igual ao ônibus, a maioria das pessoas vai ficar no carro".
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ENTREVISTA
Folha - Equanto a população cresceu 16%, a frota de carros subiu 70% e a de motos, 209%. O que levou a esse cenário?
Eduardo Vasconcellos - A facilidade de aquisição de veículos, de financiamento, e os estímulos e subsídios. Sempre houve um apoio completo do Estado brasileiro à indústria automobilística, e agora à indústria de motocicletas também. Então na medida que é mais fácil comprar os veículos, e também não é caro usá-los, isso aumenta muito o uso de automóveis e motocicletas. Tem outro dado que levantamos há alguns anos, mas que vale para hoje, que é o custo dos três modos. A gente comparou o custo de fazer um deslocamento em uma cidade média brasileira usando a moto, o automóvel ou o ônibus. O custo de desembolso de usar o automóvel, que é gasolina e estacionamento, é praticamente igual a uma tarifa de ônibus. O custo da moto é um terço. Então o estímulo é muito grande para não usar o ônibus, e além disso você tem todas as facilidades para comprar os veículos. É uma política determinada do governo federal, não é deste, vem desde 1930 o apoio indiscriminado do uso do automóvel e, agora, da motocicleta. Todos os governos, independente das cores ideológicas, adotaram este procedimento. Infelizmente, para quem defende o fortalecimento do transporte coletivo, é uma má notícia.
Como você acha que será o cenário nos próximos dez anos?
As ações de políticas públicas estruturais do Estado brasileiro continuam exatamente iguais, não mudou nada. O índice de motorização da população brasileira ainda é pequeno perto dos países ricos, então o mercado para automóveis e motocicletas ainda é muito grande. O Brasil é visto como uma das grandes fronteiras, é de longe o que tem mais potencial de crescimento para a indústria automobilística, tirando a Índia e a China. Portanto, a tendência geral do Brasil sem dúvida nenhuma vai ser a mesma nos próximos dez anos. Hoje não existe nenhum grupo político que queira mudar essa situação, então a previsão é que isso continue, principalmente nas cidades menores. Já está acontecendo no interior do Estado de São Paulo, Rio Grande do Sul, Minas, está crescendo muito a motocicleta e o automóvel, e caindo a participação do ônibus. Agora, nas grandes cidades, em que o congestionamento tende a ser muito grande, vai haver pressões para usar menos o automóvel. Isso já está acontecendo em São Paulo, começa acontecer no Rio, Belo Horizonte também. Então nas grandes cidades o uso do automóvel pode ser um pouco menor do que vem sendo em função de uma série de restrições, mas vai depender do momento político, de cada prefeito. Mas, no geral, o Estado brasileiro adotou o modelo de privatização da mobilidade.
A gestão Haddad tem um discurso de incentivo ao transporte público e promove ações como as faixas de ônibus, promete fazer corredores. Isso será suficiente para atrair o usuário do carro?
A prefeitura atual de São Paulo é uma das exceções do que falei. Ela está procurando coisas novas na linha de incentivar mais o transporte público, está buscando muitas soluções. Não quer dizer que acertou com tudo, mas tem essa motivação que não existe muito no Brasil. Outra coisa muito importante, que aprendemos com os europeus, e que vale para a gente, é o seguinte: o custo de desembolso é o que move as pessoas para tomar a decisão de usar o carro, a moto ou o ônibus. Depois que ela comprou o veículo não pensa mais na manutenção, essas coisas. Só pensa na gasolina, no caso da moto e do carro, mais um eventual estacionamento, no caso do carro, e a tarifa do ônibus. O que acontece em São Paulo e no Brasil todo é que o custo de desembolso de usar a moto é um terço da tarifa do ônibus. E o custo do automóvel é no máximo igual ou 10% a mais, então é praticamente igual ao custo de subir num ônibus. Então o desestímulo a usar o ônibus é enorme. Na Europa se usa menos o automóvel porque lá o custo de usar um automóvel e o transporte público é cinco vezes. Nos países ricos onde custa mais caro usar, as pessoas fazem a conta e uma parte grande delas não usa o automóvel durante a semana. No Brasil, toda a política para ajudar o automóvel foi para diminuir o custo de usar. É muito importante melhorar a condição do transporte coletivo. Não é só qualidade, é importante também a regularidade, a previsibilidade. O metrô é muito apreciado porque você entra e sabe que 31 minutos depois chega ao destino. É super previsível, e isso vale muito, não é só o custo. Os ônibus de São Paulo são imprevisíveis, é o grande problema. Então investir na qualidade, faixa exclusiva, corredor, é muito importante para melhorar a previsibilidade, mas enquanto o custo de desembolso do automóvel for igual ao do ônibus, a maioria das pessoas permanecerá no automóvel. O efeito será limitado, não será suficiente. Mas nenhum político quer discutir esse problema, essa é a grande dificuldade. Se você fala em cobrar alguma coisa do automóvel, parece que você está extorquindo. Cada modo de transporte consome espaço, energia, tempo e dinheiro, além de causar impactos como acidentes de trânsito e poluição. Os europeus fazem a conta de quanto custa entrar em um automóvel sozinho e andar 10 km dentro de Londres, por exemplo. Isso custa caro para a sociedade, então o governo cobra um preço mais alto para você usar esse privilégio de andar de carro numa cidade como Londres.
Você defende a cobrança de pedágio urbano como em Londres?
A lógica é que o sistema público de vias custou uma fortuna, e você está entrando nele com uma caixa metálica, que é sua, e que vai ocupar 40 m² para conseguir circular, enquanto no ônibus se consome bem menos espaço público, até 2 m². No Brasil, nós não cobramos de quem usa automóvel o verdadeiro custo que significa isso, mas temos que cobrar. Não é questão de perseguir os automobilistas, não vai ser proibido andar de carro, você vai andar onde não tem congestionamento, à noite, no fim de semana. Então todas as faixas exclusivas são muito importantes para garantir velocidade e regularidade aos ônibus, mas para as pessoas realmente saírem do carro você tem que cobrar, de quem quer insistir em usar, o verdadeiro preço disso para a sociedade. Pode ser de uma parte delas, não precisa ser todo mundo. Agora, como cobrar isso é uma outra discussão. No mundo inteiro, na Europa, há muitas experiência, de todos os tipos. Tem países que optam por cobrar muito pelo carro, outros cobram caríssimo pela licença para dirigir. Alguns cobram muito mais pela gasolina, três vezes mais do que cobramos, e tem países que dificultam extremamente o estacionamento, você paga muito caro para estacionar. E tem país que adotou o pedágio, mas foram só dois, nas cidades de Estocolmo e Londres. Não precisa ser pedágio necessariamente, cada local tem que discutir qual forma é mais justa. Tem cidades que podem operar bem com o rodízio, ou pode ser uma mistura de várias coisas. Se aqui fosse a Europa, para ir do aeroporto de Congonhas até a avenida Paulista, que é o lugar mais caro do Brasil, provavelmente se pagaria R$ 80 para estacionar. Mas no estacionamento subterrâneo do Trianon hoje você paga, se for mensalista, e com o novo preço, só R$ 12. Isso para parar a cem metros do Masp, com seu carro, sozinho. Enquanto for R$ 12 eu vou de carro, nunca vou subir num ônibus. A hora que for R$ 80, e não estou falando que tem que ser R$ 80, precisa calcular o custo social, a coisa muda.
Então as viagens estão muito baratas em todos os sentidos.
A gasolina está uns 30% abaixo do preço, não sei dizer quanto exatamente, mas além disso o estacionamento é barato. Se você sai em São Paulo de carro, aleatoriamente, a probabilidade que você terá de pagar para estacionar no destino é de 10%. Em 90% dos casos você não pagará, seja na rua, seja dentro de loja ou shopping. O que significa que a sua chance de ter que pagar estacionamento é muito pequena, na média. Na Europa, a chance é de 70%, então é muito difícil você sair com seu carro e não ter que pagar para estacionar. Na região metropolitana de São Paulo a cada dia um milhão e meio de automóveis estacionam nas ruas de graça. Ou seja, você estaciona o seu veículo em cima de uma faixa de asfalto que custou muito caro para construir e cuja função é circular, e não estacionar, mas você coloca seu carro em cima, deixa ele lá o dia inteiro, e não paga nada. Quem pagou para construir este espaço que você está usando de depósito para o seu automóvel? Todo mundo pagou por isso, mas só você tem essa possibilidade. Então tem um monte de iniquidades que viraram supostos direitos, mas na verdade são privilégios. Chegamos ao ponto de, numa palestra, pessoas falarem que ficaram com vergonha porque seu ônibus estava atrapalhando o trânsito. Ou do pedestre que vai atravessar na faixa e agradece o motorista que para. Está tudo errado, essa subserviência é culpa de um processo de exclusão social, falta de democracia, de educação, de cidadania etc.
Reprodução da Folha de São Paulo.
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