"Que você tenha pleitos e os ganhe." Essa é uma maldição que a espanhola Resurrección Galera nunca levou a sério, mas há 13 anos a suporta. A professora de Religião e Moral Católica, que atuava desde 1994 em um colégio público de Almería, no sul da Espanha, foi demitida pelo bispo dessa diocese em 2001 e ganhou várias sentenças da Igreja Católica e do Estado.
Também recebeu o amparo do Tribunal Constitucional depois de um processo que o Tribunal Superior de Justiça da Andaluzia chegou a qualificar de "extravagante" a atitude do Ministério da Educação, que, segundo a decisão, atuou "com imperícia, surrealismo e incoerência" em tão longo pleito. Mas depois de 13 anos de idas e vindas pelos tribunais, a professora acaba de atirar a toalha diante da Justiça espanhola e põe seu caso nas mãos do Tribunal Europeu de Direitos Humanos (TEDH), com sede em Estrasburgo.
"Uma justiça que precisa de 13 anos para avaliar se uma demissão é procedente ou não, simplesmente não é Justiça", queixa-se na demanda.
O relato dos fatos provados é kafkiano. Em 2001, o bispado de Almería demitiu Resurrección Galera por se casar com um divorciado, o ex-funcionário do Parlamento alemão Johannes Romes. Galera tinha 36 anos e ensinava catolicismo no colégio Ferrer Guardia, em Los Llanos de la Cañada (Almería), por oito anos, com um expediente intocável, como reconheceu o episcopado diante do júri que tramitou o julgamento por demissão.
Era o começo de uma longa peregrinação por salas de pleitos, com resultados diversos, até que o TC (Tribunal Constitucional), em 14 de abril de 2011, decidiu que a demissão deveria ser declarada nula porque o bispado e o Ministério da Educação haviam desrespeitado vários direitos fundamentais da querelante. Apenas um mês depois, o novo Juizado Social de Almería cumpria o mandado imposto pelo TC, ordenando a readmissão de Galera ou que ela fosse indenizada tendo como referência a data de sua demissão. O bispado apresentou então novo recurso. E o Constitucional, pela segunda vez, lhe negou esse direito e confirmou a readmissão ordenada pelo juizado do social.
O episcopado argumentou que não são os juízes que decidem sobre o trabalho dos professores de catolicismo, e sim a Igreja Católica, com total plenitude. Apela para isso aos acordos firmados em 1979 entre a Espanha e o Estado do Vaticano, que, segundo os prelados, lhes concede plenos poderes para propor à Educação os professores de religião nas escolas, tanto para selecioná-los como para demiti-los, apesar de ser o Estado quem paga seus salários, cerca de 700 milhões de euros por ano. Com esses acordos na mão, os bispos demitiram centenas de professores por motivos como casar-se no civil, viver em pecado, dedicar-se à política, conviver com "alguém que não é seu marido" e inclusive por frequentar bares com os amigos.
Na demanda ao TEDH, Galera detalha o conteúdo da sentença e dos autos produzidos em 13 anos, concluindo, em primeiro lugar, que se violou o convênio europeu de direitos humanos pela "duração desproporcional do processo".
Além disso, acrescenta: "Fora o prejuízo econômico, impediu-me de exercer meu legítimo direito à interposição de demandas sucessivas e anuais por demissão nula nos mesmos termos, já que a causa da demissão não variou, privando-me do direito da tutela judicial efetiva. A verdade é que nem houve a readmissão nem se abordaram os salários ditados na sentença. Em outras palavras, deixei de receber os salários de pelo menos 11 anos e perdi as correspondentes cotizações à Seguridade Social".
A demanda relata que o auto de execução recorrido, de abril de 2012, reduz a indenização "a uma quantia irrisória", contemplando só um ano dos 12 transcorridos desde a demissão nula, tudo isso apesar de que essa sentença firme condenava a "todos os demandados (bispado e Educação) a readmitir imediatamente a demandante nas mesmas condições que a regiam com anterioridade à demissão e com abono dos salários deixados de receber desde a data da demissão e até que a readmissão tenha lugar". A Educação, que não recorreu dessa decisão, baseia agora sua resistência a cumprir os termos da sentença no argumento de que Galera não demandou pela demissão dos cursos restantes, ano após ano, de maneira que se desvinculou do emprego em 2002.
Quando foi afastada de seu posto de trabalho, Galera recebia um salário mensal de 234 mil pesetas (hoje 1.400 euros) e vinha dando aulas de catolicismo desde 1994. Caso a sentença seja executada em seus termos, a indenização representaria 157.287 euros, que o Estado deve pagar como "empregador autêntico", e não a diocese de Almería, apesar de que tribunal chamar o episcopado de "cooperador necessário" das condutas reprovadas.
Reportagem de Juan G. Bedoya, para o El País, reproduzida no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves
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