Cansado das manifestações de desamor pelo projeto europeu -essa construção que um certo Luiz Inácio Lula da Silva definiu como "conquista da civilização"-, o premiê italiano, Matteo Renzi, desabafou certo dia: "Não podemos continuar tratando a Europa como uma velha tia chata".
Troque "Europa" por "política" e a frase continua válida: a atividade política está merecendo a desconsideração que usualmente se dá a uma parente que se mete na vida de todos, não para ajudar, mas para atrapalhar.
Daí à indiferença por ela é um passo -passo que está sendo dado claramente no Brasil.
Veja-se a campanha eleitoral recém-inaugurada oficialmente. Está tão gelada que subverte até uma regra de ouro do jornalismo. O usual é que um evento que vira notícia vá, automaticamente, para o papel, para o telejornal e para o "on-line".
À falta de verdadeiras notícias, o "Jornal Nacional", da Globo, principal meio de informação do brasileiro, teve que criar um quadro, como se fosse o "Domingão do Faustão", para abrigar as informações eleitorais, o que levou os candidatos a inventarem atos de campanha para que aparecessem na TV.
Ficou sendo "campanha para a TV ver", como adequadamente titulou esta Folha na capa do dia 5.
Antes que alguma instituição financeira prepare um relatório culpando o governo Dilma Rousseff pelo esfriamento da campanha, é bom dizer que não se trata de um fenômeno somente brasileiro.
A filiação a partidos políticos, por exemplo, vem declinando em todo o mundo desenvolvido. No Reino Unido, para ficar em um só caso, apenas 10% dos eleitores são hoje filiados a algum partido, a metade da porcentagem de militantes de carteirinha existentes em 1950.
O comparecimento às eleições, outro sinal de higidez política, caiu dez pontos percentuais entre 1980/84 e 2007/13, em levantamento feito em 49 democracias.
O que ajuda a entender o desamor é um dado de pesquisa britânica que mostrou que 62% dos pesquisados concordavam em que "políticos mentem o tempo todo".
É razoável supor que resultado similar seria obtido em quase todas as democracias. No Brasil, suspeito que o número dos desconfiados seria bastante superior a 62%.
O espanhol Daniel Innerarity, professor visitante na London School of Economics, distingue democracia de política.
Para ele, a democracia "funciona relativamente bem: em nossas sociedades democráticas não faltam espaços abertos de influência e mobilização, redes sociais, movimentos de protesto, possibilidades de intervenção e bloqueio".
Mas "o que não vai tão bem é a política, isto é, a possibilidade de converter esse amálgama plural de forças em projetos e transformações políticas, em dar caminhos e coerência política para essas expressões populares e configurar o espaço público de qualidade no qual tudo isso se discute, se pondera e se sintetiza".
Vale para a Europa e o Brasil, como demonstram as manifestações de junho de 2013. Os "sobrinhos" não convivem bem com a tia velha e chata, a política. E a culpa é dela.
Texto de Clóvis Rossi, na Folha de São Paulo.
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