quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Desigualdades na educação


 Foi publicada no fim de julho a quinta edição do relatório "As desigualdades na escolarização no Brasil", feito pelo Observatório da Equidade, ligado ao "Conselhão".
Sua leitura é proveitosa para ter um panorama abrangente e ponderado da educação brasileira, reconhecendo os avanços e apontando as dificuldades. Em particular, o relatório tem o mérito de não só avaliar a evolução dos indicadores médios como olhar para os extremos.
Um aspecto que chama a atenção é que o esforço brasileiro se concentra nas novas gerações. Assim, há grupos que estão ficando para trás ou ainda não foram de todo incluídos no processo de universalização.
Isso se reflete, por exemplo, no analfabetismo, a mais grave mazela educacional. De 2005 a 2012, a taxa caiu de 11,1% para 8,7%, porém entre as pessoas com mais de 60 anos a queda foi de 24,8% para 24,4%.
Fica a impressão de que os analfabetos idosos estão abandonados, enquanto se aguarda que o curso natural da vida acabe com o analfabetismo. É difícil mesmo combatê-lo entre adultos. Seria necessário que isso se tornasse uma bandeira nacional. Como preferimos "calar e consentir", é bom que ao menos se registre que o problema persiste.
É mais difícil fazer o mesmo quanto às desigualdades entre os meios urbano e rural. De 2005 a 2012, a proporção de jovens de 18 a 24 anos que completaram o ensino médio foi de 44% para 54,7% –algo substancial, ainda que longe da universalização e representando grande desafio para a reformulação do EJA (Educação de Jovens e Adultos).
Nas cidades, o indicador subiu de 49,3% para 58,4%, e, nas zonas rurais, de 17,8% para 31,9%. A iniquidade tem caído, mas ainda representa grande desvantagem para os jovens do campo.
Um caso bem-sucedido tem sido o da educação infantil, cujo crescimento é notável, em especial nos grupos mais vulneráveis. Como se sabe, os estímulos cognitivos e sociais nessa idade são cruciais para o sucesso educacional de longo prazo.
O percentual de crianças de quatro e cinco anos de idade que vão à escola passou de 62,7% em 2005 para 78,2% em 2012. No campo, foi de 44,5% para 66,7%, e, nas cidades, de 67,6% para 80,7%. Entre os 20% mais pobres, a evolução foi de 52,8% para 71,2%, enquanto no quinto mais rico foi de 86,9% para 92,5%.
Isso é fruto da inclusão dessa faixa etária na educação básica ao se criar o Fundeb, em 2007. A universalização deve ser obtida nos próximos anos, já que em 2013 passou a ser obrigatório frequentar escolas a partir dos quatro anos. Quer dizer, prioridade legal e orçamentária faz diferença nas políticas públicas.
Isso remete a um tema que tem se tornado controverso: a expressiva elevação dos gastos por aluno, que a valores constantes passaram de R$ 1.993 em 2005 para R$ 4.267 em 2011. Analistas conservadores têm defendido que tal aumento não melhora o desempenho dos alunos.
Essa avaliação, que pode vir acompanhada de testes econométricos, tende a não levar em conta que a elevação de gastos é recente e que são longos os períodos de maturação dos esforços em educação, em especial quando se parte de um sistema muito precário. Uma evidência disso é que os resultados dos alunos no ensino fundamental, cujos aumentos de gastos se iniciaram ainda nos anos de 1990, são hoje melhores do que os do ensino médio.
Também é preciso lembrar que o desafio é descomunal. Pagando o preço de ter sido de longe o principal país escravocrata, a taxa de analfabetismo era em 1950 de mais de 50%. Só no fim da década de 1980 é que se chegou à metade dos adultos com ao menos o primário completo.
A busca da universalização da educação se tornou efetiva só a partir da Constituição de 1988. Desde então, a melhora tem sido consistente tanto na ampliação do acesso quanto no aumento da qualidade, como mostram os resultados de avaliações nacionais (Ideb) e internacionais (Pisa).
Não obstante, o relatório do Conselhão mostra que na educação brasileira ainda há muito a caminhar e desigualdades a combater. A contenção de gastos parece ser uma sugestão longe dessa realidade.


Texto de Marcelo Miterhof, na Folha de São Paulo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário