segunda-feira, 25 de agosto de 2014

“O Brasil não digeriu a ditadura”


A participação de Marcelo Rubens Paiva na Flip, na mesa sobre os 50 anos da ditadura, emocionou o público, reverberou nas redes sociais e se tornou também objeto de polêmica.
Paiva chorou durante a leitura de um artigo de Antônio Callado sobre a morte e desaparecimento do pai, Rubens Paiva, tendo a mãe, Eunice, como personagem principal. Mais tarde, comentou que não havia chorado só por causa da morte do pai, mas também por conta da paternidade recente –ele tem um filho de seis meses-, e porque a mãe está com mal de Alzheimer.
Durante o debate, Paiva mencionou o cantor Roger, do Ultraje a Rigor, como exemplo de quem desconhece o período da ditadura. No twitter, Roger reagiu dizendo:  “minha família não foi perseguida pela ditadura porque não estava fazendo merda”.
Escritor, jornalista, roteirista e dramaturgo, tuiteiro, blogueiro, com tração das 4 rodas. Assim Marcelo Rubens Paiva, nascido em 59 em São Paulo, se define profissionalmente.
Publicou onze romances entre os quais o best seller “Feliz Ano Velho” (1982, Prêmio Jabuti).
No teatro, teve nove peças montadas como autor, e dirigiu outras cinco. No cinema, roteirizou os filmes “Fiel”, “Malu de Bicicleta”, “E Aí, Comeu?”, “No Retrovisor”, e “Vale Tudo”, esses dois ainda inéditos.

*

Afinal, o Brasil digeriu a ditadura ou o assunto ainda tem seus tabus?
Claro que não. A gente não digere a violência. As pessoas não têm ideia do que foi a ditadura – as pessoas que eu digo são as mais jovens. Quem acompanhou a redemocratização, fez parte da mobilização estudantil no final dos anos 1970, a fundação do PT, a reorganização partidária, as Diretas Já… leu os livros que tinham que ser lidos. Viveu de certa forma a ditadura, então sabia o que que era.
Ponto e parágrafo. Não se falou mais disso.

Não se falou mais disso?
Dos anos 90 em diante, não. Virou um assunto secundário, sem importância. Por exemplo, eu assino o “TV5”, que é o canal francês, e tem o jornal das 20h que todo dia assisto. Sempre estão celebrando alguma coisa referente à história da França. Nessa semana, por exemplo, foi a libertação de Paris. Fez 70 anos (foi em 1944). Existe um culto histórico que os judeus são sábios e precisos em sempre lembrar, que foi o Holocausto. Seja através dos filmes, séries, livros, museu aqui, museu lá…  porque é preciso lembrar sempre, se não em uma ou duas gerações as pessoas esquecem.
No Brasil a gente foi completamente incapaz de transferir o conhecimento do que foi a ditadura para as gerações que vieram em seguida. Então por exemplo: reclama-se muito que nas escolas não se ensina o que foi a ditadura. Não tem livros didáticos que falam. E foi um dos momentos mais importantes da história do Brasil. A ditadura brasileira mudou o país, foi o momento em que o Brasil se transformou de um país agrário em um país industrial, um momento de consolidação da identidade brasileira.
Negligência nossa, negligência dos produtores culturais, e negligência do Estado. No Brasil se fala muito em “virar a página”. Não, não se deve virar a página. A história precisa ser recontada, reanalisada, reavaliada

Houve uma consolidação da identidade brasileira durante o período da ditadura?
Eu acho que sim, em parte. Não foi nem por causa da ditadura. Antes dos anos 70 a maior parte da população vivia no campo. A partir de então isso se inverteu. Então aquele Brasil rural, agrário, caipira, regionalista de Graciliano Ramos e Guimarães Rosa, se tornou o Brasil de Rubem Fonseca, o Brasil urbano, com problemas sociais.

A Lei da Anistia seria um produto dessa negligência de Estado?
Ah, total! A Lei da Anistia é um símbolo dessa negligência de Estado e dessa pouca vontade da sociedade de conviver com seu passado, com os traumas do seu passado. Há muita confusão a respeito do que foi a luta contra a ditadura.
Era Caetano Veloso indo para a cadeia. Chico Buarque indo pra Itália no exílio. João Ubaldo tendo livro censurado. Rubem Fonseca tendo livro censurado. Plínio Marcos caindo no ostracismo. Quer dizer, toda a intelectualidade. Eram professores universitários, era o FHC indo embora, Florestan Fernandes indo embora.
A PanAir sendo fechada para cancelar seus vôos internacionais e dar para a Varig. Era a Globo crescendo em detrimento da TV Excelsior. Enfim, era uma transferência econômica de um grupo pro outro. A ditadura não era só um combate de uma ou outra organização de esquerda. Era o país inteiro que estava sofrendo com aquilo.

Quais são os ecos dessa negligência, que você enxerga hoje na nossa sociedade?
Os desaparecimentos, como no caso do Amarildo por exemplo, o costume de torturar e desaparecer com o corpo, a forma de você tratar…
E também a forma que no Brasil o Estado trata o brasileiro. O brasileiro é sempre o culpado. Nos mínimos detalhes. A burocracia é contra o brasileiro, não a favor. Por exemplo: eu estou tentando comprar um carro, nunca tinha comprado um carro por isenção fiscal de deficientes, um direito que eu tenho. Estou tentando há um ano, e foram aproximadamente uns 40 documentos. Eu tenho que provar tudo o tempo todo. Eu tenho que provar até que eu tenho dinheiro.
Assim, sempre o brasileiro é o inimigo, um criminoso, um combatente. O Estado sempre está preocupado em não ser manipulado pelo brasileiro, não ser enganado pelo brasileiro. Quando devia ser o contrário.

E o jeito de ser do brasileiro?
Eu acho que é isso. De achar o Estado afastado de si. Então por exemplo, nas manifestações de junho: “Todo político é ladrão!! Nenhum partido me representa!!”. Mas quem votou nos políticos? Quem vota nos partidos são os brasileiros. Então como é que você se distancia do Estado? Parece que o povo é uma coisa e o Estado outra, quando na verdade são duas coisas juntas.

Você não se animou com as manifestações de junho?
Não. Desde o começo eu sabia que aquilo era uma roubada. Uma das coisas que a gente aprende na militância é que precisa ter uma pauta definida, uma bandeira. E não tinha bandeira nenhuma. Cada um falava uma coisa. Tinha até gente que propunha a volta da ditadura militar.
Então não dá em nada. Se não é política não dá em nada. Tudo é político. O homem é um animal político, já dizia Aristóteles. Não dá para fazer uma passeata gritando “Fora partidos! Nós somos apolíticos”. Então vocês querem o que? “Queremos o fim da corrupção”. Como é que se faz o fim da corrupção? “Não sabemos como”.

Que acha da Marina Silva?
Não estou animado com a Marina. Não acho que seja uma terceira via interessante. Eu acho que ela tem muitos problemas, ela tem uma pauta muito conservadora.

Em que sentido?
Ah, nas questões da religiosidade dela, dos direitos individuais (casamento gay, aborto), você não vê ela falando nisso. Não é a terceira via. Eu acho o PV muito mais terceira via, nesse sentido. O que diferencia o programa da Marina pro programa do PT e do PSDB? Ninguém sabe. O programa do Eduardo Jorge fala em aborto, em liberação das drogas, em casamento gay, numa revolução de economia sustentável, energética. Isso sim é uma terceira via.

Marina fala de economia sustentável, energética.
Ela fala, mas o partido dela não. Aliás, o meu pai fundou aquele partido né? O PSB. Ele, junto com o Antonio Candido, foi um dos fundadores. Depois foi pro PTB porque não tinha legenda pra sair como deputado.

Você gosta do governo Dilma?
Não. Eu acho uma temeridade você subsidiar indústria automobilística para garantir o emprego da população. Que custo ambiental isso terá no futuro? Acho uma temeridade você, por exemplo, congelar o preço da gasolina para controlar a inflação e ao mesmo tempo dar um rombo na Petrobrás que era a empresa em que toda a economia, todos os fundos de previdência estavam atrelados.
Dilma fez coisas interessantes, mas o próprio partido admite que poderia ter sido melhor, já que o slogan da campanha defende que o segundo mandato será melhor.

E o fato de Dilma ter sido prisioneira política?
Eu acho que isso tem um problema porque ela fica constrangida às vezes, parece, de ir a fundo na exploração da abertura dos documentos. Não sei. Eu acho que ajuda e atrapalha. Vou dar um exemplo ridículo, mas quem menos faz pelos deficientes são justamente os deputados e políticos deficientes. Eles ficam constrangidos de estar pedindo algo como se fosse por causa própria. Os mais atuantes são os não-deficientes. É o mesmo caso da Dilma. Ela fica um pouco assim, numa situação de sinuca de bico ali, de estar diante de seus ministros militares e ao mesmo tempo cobrar que eles abram arquivos, que eles admitam que houve sim tortura nas instalações, coisa que eles não admitiram.

A Lei da Anistia seria a ‘cara’ do Brasil?
A Lei da Anistia é uma lei promulgada durante a ditadura. Ela é de 1979. É pré Riocentro. Ainda tinha linha dura no cotovelo do governo. Foi promulgada num Congresso totalmente engessado pela ditadura. A oposição estava no exílio (ou morta), tinha partidos que estavam na ilegalidade. Muita gente votava nulo naquela época, e é curioso que houve a Constituinte e não se discutiu a Lei da Anistia. A Lei da Anistia é um entulho autoritário, como dizia o velho e bom Leonel Brizola.

Você acha que no Brasil tinha que ser como na Argentina?
Acho. Tinha que ser tipo Argentina. Tinha que ter ditador na cadeia, corrupto na cadeia.

O Brasil melhorou?
Depende. A questão do deficiente físico, por exemplo, melhorou muito. Você não vê mais quase nenhum lugar sem acesso. E o transporte público sendo pouco a pouco adaptado.
Mas algumas reformas cruciais pra gente seguir adiante não foram feitas desde o tempo do FHC. São 20 anos. Reforma da Previdência (nós estamos com um déficit gigantesco), reforma política, reforma tributária…

Você acha que a Comissão da Verdade está fazendo um bom trabalho?
A Comissão da Verdade está fazendo o que ela pode fazer. Ela também é a cara do Brasil. Ela pode investigar, mas não pode punir. Então é uma comissão para quê? Para você revelar a verdade. Então você revela a verdade mas não pune aquele que…
Você vê a Miriam Leitão. Ela resolveu falar algo que estava engasgado.

Você sabia?
Sabia. Ela tinha nos contado, mas não entrou em detalhes.

Por que uma pessoa decide falar agora? Que mecanismo que acaba sendo disparado?
Talvez como jornalista fosse melhor para ela ser discreta, mas eu realmente não sei qual é o mecanismo.

O que efetivamente a Comissão da Verdade trouxe de novo sobre o desaparecimento de seu pai?
A gente sabia mas não tínhamos provas. Todos sabiam quem torturava no DOI-CODI em 1971, como torturavam.
Os papéis encontrados confirmaram nossa versão, os boatos.

Se, como você diz, a ditadura não foi só uma briga entre grupos armados e um Estado aparelhado, ela foi o que?
Um movimento civil-militar para impedir reformas que feriam os interesses de uma burguesia e do governo americano. Foi um movimento abertamente patrocinado pelos EUA, que mandou aqui um pastor americano para convencer a classe média do perigo comunista, se utilizou do receio que havia depois da Revolução de 59 em Cuba de perder um outro país, esse sim importante pros EUA (que era o Brasil), os negócios americanos aqui (Ford, General Motors), o temor dos movimentos sindicais, o temor da reforma agrária.

Como compararia a ditadura brasileira às ditaduras vizinhas?
Todas as ditaduras latino-americanas foram uma expressão da Guerra Fria. Claro, a da Argentina e do Chile foram imbatíveis. É até uma piada: os argentinos foram imbatíveis até nisso. Mas eu acho que no Brasil as pessoas também menosprezam um pouco o que foi a ditadura. O Jacob Gorender tinha calculado entre 40 e 50 mil presos. É bastante gente. Fora  a quantidade de livros e filmes, peças de teatro que foram censuradas. A sociedade brasileira inteira sofria consequência da ditadura. Todo jornal tinha sensor presente, toda a redação do Pasquim foi presa, editores, jornalistas.

Como é que você viveu (ou vive) o trauma da ditadura?
Tirando o fato de minha família ter sofrido horrores, e sofre até hoje sobre detalhes de tortura que saem eventualmente no jornal, quando eu estou com meu filho bebê no colo… A gente chora, a gente sofre, se deprime. Quando aparece alguém como o  Malhães dizendo que o corpo do meu pai foi jogado no mar, depois que foi no rio, depois que não foi jogado em lugar nenhum (que ele nem participou). Minha família lê aquilo e pensa no que?

Como é que a ditadura foi  vivida por você?
Olha, muito solitariamente. Por exemplo: quando houve o desaparecimento do meu pai, que foi no começo de 1971, já estávamos no AI-5. Então a censura era tremenda. E paralelamente a isso estava acontecendo o ‘milagre brasileiro’. O Brasil tinha acabado de ganhar a Copa, as pessoas estavam contentes, o país se industrializando…
E a minha família sofrendo um abuso do Estado de uma forma bastante violenta, a gente não tinha com quem compartilhar isso. Nossa família sofreu muito sozinha. A gente se mudou de cidade por causa disso, e tivemos vários problemas,  por exemplo: quando eu saí da escola do Rio de Janeiro e tive que me despedir dos meus coleguinhas, expliquei que estava indo embora porque meu pai foi preso. “Mas o que teu pai fez? Ele matou alguém? É assaltante?”, perguntaram. E eu, “não, meu pai é um preso político”.
As pessoas não entendiam o que estava acontecendo. O desaparecimento do meu pai foi um dos primeiros da América Latina. A prática do desaparecimento começou ali. Se ele tivesse desaparecido em 1976 a gente saberia que ele desapareceu, mas em 1971 não se fazia ideia de que isso poderia ocorrer, nem o por que disso, porque ele não era da luta armada.

Quando vocês se convenceram que ele tinha sido assassinado? Na hora?
Não, demorou uns 2 ou 3 anos. Cada um enterrou a sua maneira. A minha mãe, por exemplo, manteve o armário do meu pai intacto durante anos. Ela tinha esperança, entendeu? Mas porque era inédito. Não ocorria aquilo no Brasil. Começou a ocorrer porque era uma tática de guerra, de eliminar o inimigo, uma tática de terror, você assusta os seus oponentes.

Como eram seu pai e sua mãe enquanto casal?
Era um casal comum, feliz, de classe média alta, burguês. Gostavam de viajar, moravam no Leblon. Meu pai tinha uma mesa de pôquer. Sabe o Mad Men? Parece o Mad Men. Minha mãe com 5 filhos, gostava muito de ler (era formada em Letras), e meu pai um cara muito culto e muito inteligente, que tinha muitos amigos. Era amigo do Haroldo de Campos, do Augusto de Campos, do Antonio Callado, Antonio Candido, Millor Fernandes, Paulo Francis frequentava minha casa, FHC, Fernando Gasparian… Era uma turma de amigos muito ampla, e ele não era um cara com muitos preconceitos. Era amigo do Sarney, por exemplo.
Quer dizer, era um cara que não era comunista e era contra a luta armada. São duas coisas que diferem muito da imagem que se faz daqueles que morreram na ditadura. Mas tinha amigos comunistas, e tinha amigos que estavam na luta armada. Era um cara de esquerda. Ele era exatamente o governo Jango. Meu pai queria um Brasil diferente, mas não comunista. Ele era um reformista.

Você chorou na última Flip…
Chorei porque pela primeira vez ouvi um áudio com a voz de meu pai. Tirando esse lamentável choro, essa explosão na Flip que eu fiquei morrendo de vergonha, ninguém na família nunca chorou em público. Só entre quatro paredes. Minha mãe chorava dentro do quarto dela. Por que? Porque a gente tava em guerra, a gente tava em luta. A gente tava combatendo a ditadura e estava querendo saber o que tinha acontecido com meu pai. Por que ele tinha sido cassado em 1964, por que tinha sido torturado e morto, por que minha mãe foi presa, por que a Eliana minha irmã foi presa…
Combatemos a vida toda. Não era uma luta pessoal. A gente nunca personificou a luta da família Rubens Paiva. A gente é uma família de militantes, entendeu? A Vera, minha irmã, foi líder estudantil. A Eliana foi da Libelu, eu fiz militância estudantil em Campinas. Minha mãe foi do Comitê Brasileiro da Anistia, fazia reuniões com dom Paulo Evaristo Arns, foi do movimento das Diretas Já…

Tomando de empréstimo o conceito de banalização do mal de Hannah Arendt, como enxerga a figura do torturador?
Eu não entendo a tortura. Eu não entendo você pegar uma estudante de 18 anos, tirar a roupa e colocar uma jiboia do lado, como contou a Miriam Leitão. E isso é fichinha perto do que aconteceu. Aqui em São Paulo por exemplo, houve uma mulher que foi torturada em frente ao filho – e ele se matou no ano passado. A minha mãe poderia ter sido torturada em frente ao meu pai.
Eu tenho amigos que foram torturados. Alguns realmente enlouqueceram, outros dão risada. O Rodolfo Konder por exemplo, brincava que ficou no pau-de-arara e tinha se acostumado a ver as horas de ponta cabeça. Ele falava isso e dava risada.
Eu nunca fui torturado e não imagino o que deve ser.
Eu acho que a tortura não é um ato de selvageria, é um ato de técnica de guerra, de humilhar o inimigo, quebrar os ossos de uma organização, como eles falavam. De assustar a população. E era nitidamente, no Brasil, uma política de cima para baixo. Porque neguinho lá embaixo não torturava se não tivessem dado a permissão lá em cima. Vinha de Médici, do ministro da Justiça dele, dos comandantes… Era uma prática de afirmação no poder.

O Malhães você já tinha visto? O que o depoimento dele na Comissão da Verdade, sobre seu pai, te inspirou?
Não, nunca vi. Olha, tem muito oportunista que quer dar uma de malandro, fingir que foi o bam bam bam. Eu já vi isso. “Ah, eu trabalhei no DOPS, eu sei de coisas, sou amigo de fulano e de beltrano”. É uma forma de querer dizer que fez parte da história. O Malhães era chefe de milícia, um cara perturbado. Talvez até tenha realmente feito aquilo que ele falou que fez, de sumir com corpos. Mas ele não tem nenhuma relação com meu pai, eu sei porque pelas datas que ele fala não batem. Ele diz que desenterrou meu pai em 1973. Mentira. Meu pai não foi desenterrado em 1973, 1973 ainda era plena ditadura, nem precisavam desenterrar meu pai, entendeu? Meu pai foi desenterrado na véspera da abertura política, em 1979.

Quando nasceu teu filho, mudou a relação com tudo isso?
Mudou porque meu filho tem os olhos do meu pai. É terrível. É uma bandeira, entendeu? Quando tudo isso foi revelado nesse ano, nasceu o meu filho com os olhos do meu pai. Meu pai tinha olhos azul piscina, meu filho tem olhos azul piscina. Ninguém na minha família tem olho azuis. Só o meu filho e meu pai. E é loiro de olhos azuis, como o meu pai. Meu pai tinha ascendência alemã. Meu filho tem 6 meses agora. Então o meu filho mexeu comigo. Não só pelo fato de ter os olhos do meu pai, mas pelo fato de ser neto dele. É um menino. Tem o sobrenome Paiva né?

Algo mais a ser dito sobre a Miriam Leitão?
Isso tudo pegou a gente de surpresa. Inclusive a reação descontrolada, sobre esses caras da extrema direita que têm colunas, blogs, twitter e meteram o pau na história.

Falando nisso, como é a sensação de ter um drama pessoal sendo devassado pelas redes sociais?
Independentemente do fato de ser filho do Rubens Paiva, eu sou eu. Eu sou o Marcelo Paiva. Você sabe que o Feliz Ano Velho era um livro que eu nem citava o meu pai? Eu falei do meu acidente, da minha turma, de rock´n´roll, festinhas… Só citei o meu pai porque eu falei: “Cara, vou ter que citar”.
Eu achava que era minha mãe que deveria, um dia, escrever um livro sobre o meu pai. Quer dizer, eu tenho uma vida profissional independente do fato de ser filho do Rubens Paiva. Sempre tive. E sempre tive consciência de que, como filho dele, eu tenho que representá-lo, mas que também tenho a minha vida.

Aquela juventude de Feliz Ano Velho e a de hoje. Que paralelo a gente consegue fazer?
Ah, não tenho a menor ideia. Acho que agora a juventude é mais consumista, preocupada com a aparência. A grande ambição da minha geração era ou ir pro kibbutz, que era uma experiência socialista comunista em Israel, na época que Israel era de esquerda, colher uva na França ou ir pro projeto Rondon e viajar de graça pelo Brasil. Ou ainda, viajar de navio mercante. E eu estudei nas escolas de elite. Então isso era a ambição. Hoje em dia não, hoje em dia é uma coisa mais grana. Tanto que as matérias que mais faziam sucesso na nossa turma eram Ciências Sociais, Sociologia, Antropologia, Psicologia… era pensar no outro. Agora é Administração, Direito, Relações Internacionais. Bestas né?
Por outro lado, acho a juventude brasileira hoje bem mais aberta às questões das diferenças. Mais tolerante. É claro que tem um ou outro grupo mais radical, mas sinto uma juventude bastante politizada apesar de não ter uma bandeira bem definida.

E o 7 a 1? O que você achou?
(risos) Era um pouco esperado né? Uma coisa é você torcer pro Sócrates, outra coisa é torcer pro Neymar – eu ia falar no David Luiz…

Sobre sua polêmica com o Roger, do Ultraje a Rigor: uma coisa que me tocou é que vocês são ou eram amigos, não? Da mesma geração.
Não vou falar do Roger.
O que dá para ser dito é que existem algumas pessoas que nos surpreendem, que nos eram importantes como intelectuais, como jornalistas, como músicos, como amigos até, e que através das redes sociais você descobre que têm opiniões completamente diferentes das suas. E que envelheceram mal. Que ficaram mais reacionárias, rancorosas.
Então, é interessante como as redes sociais permitiram às pessoas fazer confissões que elas não fariam cara a cara. E, com isso, você percebe a desinformação completa, a descontextualização.
Eu acho que a rede social permitiu que a gente conhecesse esse tipo de direita que estava adormecida ou que existia e a gente não sabia.

Agressivas as frases que ele soltou no twitter, não?
A internet está deixando as pessoas mais mal-educadas. É engraçado. Eu, como escritor, sei o poder da palavra. Eu escrevo uma frase e, quando vejo num palco a pessoa falando, eu vejo a força que ela tem. As pessoas não escreviam antes como escrevem agora. Mas elas não sabem escrever.


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