quarta-feira, 20 de agosto de 2014

Conheça o imã gay da Europa

Um imã muçulmano francês homossexual está espalhando a mensagem da religião e da tolerância na Europa. Além de inaugurar uma mesquita simpática aos gays em Paris, ele também casou recentemente um casal de lésbicas na Suécia.
Ludovic Mohamed Zahed come uma salada de camarão enquanto conta sua história em um restaurante de Estocolmo. A viagem para a Suécia foi longa e ele parece um pouco cansado.
Nascidos na Argélia, os pais de Zahed se mudaram para a França quando ele ainda era criança. Quando foi para a escola pela primeira vez, a professora perguntou se ele era menino ou menina. Ele era uma criança delicada, magra, tímida e afável. Zahed se lembra de ouvir seu pai dizer que ele era um "veado", uma menininha chorosa. Então, seu pai se calou. Ele nunca mais olhou para Zahed nem falou mais com ele.
Zahed se perguntou qual era a missão que ele tinha vindo fazer na Terra. Quem era ele? Estava cheio de dúvidas quanto a si mesmo. Em busca de respostas, ele foi a uma mesquita aos 12 anos.
O Islã, Zahed aprendeu, fornecia respostas para todas as perguntas. O Alcorão é um livro sobre o qual não pode haver dúvidas. Allah supera toda resistência. Como muçulmano, você é um estudante do Islã e sua missão na vida é louvar a Deus.
Zahed leu o Alcorão e se tornou um membro de uma irmandade salafista. Ele rezava cinco vezes por dia e apreciava as respostas que recebia bem como o apoio. Zahed decidiu que queria se tornar um imã, um estudioso do Islã, e que queria estudar em Meca.

Camaradagem

A camaradagem entre os salafistas significava tudo para ele. Os jovens rezavam lado a lado e formavam um muro que protegia a todos. Zahed se sentia realizado na companhia. Ele rezava com devoção e até sentia que havia momentos em que ele sentia o significado de estar iluminado. Isso é Deus, ele pensou.
Um de seus irmãos na fraternidade se chamava Jibril. Ele tinha olhos pretos, pele escura e cabelos grossos e brilhantes. Zahed dormia ao lado dele, com a testa encostada na sua. Eles diziam um ao outro: "Uhibbuk fi-Allah" ("eu te amo por Alá").
Aos 17 anos, Zahed dormia em um quarto com Jibril e ficou acordado à noite observando-o. Ele amava Jibril por Alá, mas de uma forma que também era diferente de seu amor por outros salafistas.
Ele então falou com Jibril e com seus outros irmãos muçulmanos sobre esse desejo. Jibril disse que não poderia ser assim.
Pouco tempo depois, a família de Zahed se mudou para Marselha. Ele estudou para as provas de admissão na universidade, raspou a barba e parou de rezar, voltando-se para as festas e drogas. Ele também teve um relacionamento com um homem que o traiu e depois foi infectado por HIV. Olhando para trás hoje, ele diz que estava perdido naquela época.

Saindo do armário

Ele chamou seus pais em seu quarto e contou a eles que era gay. Sua mãe chorou, seu pai olhou para ele novamente pela primeira vez em muito tempo e disse: "nós sabíamos". Sua mãe não conseguiu parar de chorar, o que fez com que seu pai dissesse: "ele tentou mudar durante os últimos 15 anos, então temos de aceitá-lo". Ele então sorriu para o filho.
Até hoje, Zahed não entende totalmente o que aconteceu para fazer seu pai mudar de ideia.
Zahed estudou psicologia e antropologia e começou a trabalhar para uma organização de ajuda. Aos 30, ele fez uma viagem a trabalho para o Paquistão e refletiu pela primeira vez na vida se era uma boa pessoa ou não. Pouco tempo depois, no quarto do hotel, caiu de joelhos e começou a rezar.
Ele também começou a ler o Alcorão novamente. Ele não encontrou nenhuma sura que condenasse a homossexualidade. O que ele encontrou, contudo, foram inúmeros poemas homoeróticos na literatura árabe clássica. Ele então fundou a HM2F, uma associação para gays e lésbicas muçulmanos na França.
Há dois anos, quando ficou sabendo que nenhum imã enterraria um transexual muçulmano que havia morrido na França, Zahed fundou uma mesquita em Paris. Ele queria que fosse um lugar onde todas as pessoas pudessem encontrar um imã que as tratasse com dignidade, fizesse enterros e casamentos e oferecesse a elas uma sensação de pertencimento, independentemente de elas amarem homens ou mulheres. Ele também encontrou um parceiro e os dois foram casados por um imã amigo.

Uma voz de tolerância

Hoje, Zahed está com 37 anos. Ele viaja pelo mundo dando aulas sobre a homossexualidade no Islã. Está na Suécia para realizar uma cerimônia de casamento de um casal de lésbicas.
Sua viagem foi paga pela 7-Eleven, e o casamento aconteceu na manhã seguinte à que ele chegou, na frente de uma franquia da loja de conveniência, enfeitada com flores. O sol brilhava, o perfume das flores enchia o ar e Zahed sorriu.
Mas na noite anterior, Zahed havia confessado que estava preocupado com seu próprio casamento, uma vez que seu marido tinha saído de casa de mudança poucos dias antes. Ele diz que seu pai disse ao telefone: "casais se separam. Isso é normal, meu filho. Não tem nada a ver com a sua homossexualidade". Foi a primeira vez que o pai de Zahed usou a palavra "homossexualidade".
A vida de Zahed não é perfeita. Ele está doente, sente falta de seu marido e não encontrou as respostas para tudo na vida. Ainda assim, pelo menos agora ele sabe quem é. Zahed conseguiu uma aproximação com sua família e encontrou sua fé. Talvez os melhores momentos de sua vida ainda estejam por vir.
Durante a cerimônia de casamento na Suécia, ele deu sua bênção e cantou as primeiras suras do Alcorão. Elas terminam com as palavras: "Mantenha-nos no caminho certo. O caminho daqueles a quem agraciaste. Não daqueles a quem Tua ira derrubou nem daqueles que se perdem."
O casal começou a chorar. Zahed olhou para as pessoas reunidas e disse: "vocês podem aplaudir --ou fazer o que quiserem". 

Reportagem de Takis Würger, para a Der Spiegel, reproduzida no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder

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