quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Literatura DE policial


Literatura DE policial

Policial federal na ativa lança romance sobre o jogo do bichocarioca
ALVARO COSTA E SILVACOLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Em uma das passagens menos chocantes do romance "Oeste: A Guerra do Jogo do Bicho", de Alexandre Fraga, o personagem Já Morreu, ex-policial, "o homem mais perigoso da contravenção e que honrava todos os contratos de morte a ele confiados", resolve se aposentar.
Como gesto de gentileza, presenteia Roger e Plácido, adversários na sucessão de territórios de jogatina, com uma garrafa de Jack Daniel's a cada um. O primeiro guarda o uísque intocado; o segundo o oferece a empregados e fica observando-os beber.
"Eram tempos de paranoia braba. E também de corrupção solta. Sinto informar, mas a corrupção no Brasil não começou nos últimos dez anos", diz Fraga, 41, que trabalha como agente da Polícia Federal e já publicou "Quando os Demônios Vão ao Confessionário" (2002) e "Canibal de Copacabana" (2008).
O novo livro é o retrato ficcional de um momento --fim dos anos 1990-- de transição do jogo do bicho, em que até então valia o escrito, para as máquinas caça-níqueis.
"Oeste" --título que remete à zona oeste do Rio, palco dos acontecimentos, mas também aos filmes de faroeste-- está inspirado, como Fraga ressalta, "em fatos reais", que tiveram ampla cobertura na imprensa e foram investigados pela polícia.
"Mas há muitos personagens inventados. Quis fazer um romance que mostrasse como funciona a mente dos bicheiros, e que pudesse agradar até a eles. Se tiver de prender alguém, será pelo meu trabalho na Polícia Federal, não pelo meu livro", diz Fraga, carioca nascido na Tijuca, policial há 18 anos.
Além de investigações contra a contravenção, ele participou de operações ligadas ao tráfico de drogas na fronteira do país. Hoje trabalha no aeroporto Tom Jobim.

GUERRA

A guerra dos caça-níqueis foi deflagrada com a morte, em 1997, de Castor de Andrade, considerado o "capo" do jogo do bicho no Rio. Ele teria escolhido o sobrinho Rogério de Andrade para o comando. Inconformado, Paulo Roberto Andrade, filho de Castor, iniciou a disputa, invadindo territórios. Em 1998, Paulinho foi morto na Barra da Tijuca.
Alexandre Fraga integrava a equipe que, em 2006, prendeu em Petrópolis Rogério de Andrade, condenado pela morte do primo e por envolvimento na máfia.
Segundo a polícia, mais de 50 assassinatos foram cometidos na guerra, muitos dos quais estão narrados em "Oeste", assim como tentativas de um acordo de paz. Os requintes de crueldade incluem até uma cena de canibalismo involuntário. E muita corrupção, praticada em todos os níveis da sociedade.
Um leitor mais ou menos informado, ou com bom ouvido para nomes tirados da realidade, não terá dificuldade em identificar os personagens: Nabor de Cavalcante é Castor de Andrade. Antenor Libanês é Anísio Abraão David, patrono da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, que assume a liderança da contravenção com a morte de Castor (ou Nabor).
"A ideia de contar essa história ficou martelando na minha cabeça. O bicho é a nossa máfia. Com o bicho, a gente consegue fazer um Poderoso Chefão'", conta Fraga, revelando a dívida de gratidão com os livros de Mario Puzo levados ao cinema por Francis Ford Coppola. "A lição do Puzo é simples: não revelar nada antes da hora."
Num sábado de folga, meteu mãos à obra. Sentou em frente ao computador às 6h e só o largou às 14h, "para dar um mergulho na praia". Com 30 páginas, estava pronto o argumento do que, a princípio, era um roteiro de filme.
"Minha preocupação era fazer um filme que não lembrasse em nada aqueles já feitos no Brasil sobre o jogo, que romantizaram o tema. Até pareciam financiados pelos bicheiros. Na minha concepção, o Carnaval só aparece como cenário de guerra", diz.
Escreveu o romance nos fins de semana, feriados e folgas que, juntos, diz ele, "dão uns três meses de trabalho". Além da estrutura de thriller, preocupou-se em fazer com que a linguagem passasse longe do politicamente correto: "Me desculpem, mas meus personagens falam favela' e não comunidade'".
Também roteirista e produtor cinematográfico independente que sonha levar às telas o romance "Noite do Massacre", de Carlos Heitor Cony ("ainda falta pagar uma parcela dos direitos, mas já tenho uma locação perfeita"), Alexandre Fraga negociou "Oeste", antes mesmo de o livro ficar pronto, com Bruno Wainer, da Downtown Filmes. Em fase de captação, as filmagens devem começar no ano que vem.
"Estou me sentindo o próprio Mario Puzo", brinca ele, enquanto bebe uma taça de vinho branco, com muitas pedras de gelo, num bar do Leblon, e já faz planos para um segundo volume da saga, que volta no tempo para abordar as relações do jogo do bicho com a ditadura militar.

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