terça-feira, 7 de outubro de 2014

Chamando o Dunga

Esta é uma especialidade brasileira, muito utilizada em momentos de impasse no qual os modelos se esgotam e só produzem resultados pífios. Depois de um jogo catastrófico, todos percebem que uma transformação é necessária. As ruas começam a clamar por mudanças, renovação. Então, os dirigentes convocam a imprensa e, com ar grave, como se estivessem sob o tribunal de um limiar histórico, dizem às câmeras: "Diante do clamor por mudanças e pelo novo, precisamos ter coragem de inovar. Por isto, apresentamos o novo técnico da seleção... Dunga".
Você olha para toda aquela pantomima, coça os olhos e pensa: "Dunga?". No que só resta a resposta, telegráfica e que no entanto diz tudo: "Sim, meu amigo, o próprio". É assim que o Brasil diz que inova.
Bem, diante do esgotamento evidente do lulismo como motor de transformação social, temos nessas eleições alguém que hoje corre o risco de fazer involuntariamente o papel de Dunga da política brasileira, a saber, o senhor Aécio Neves e seu partido. Com um time herdado do antigo governo FHC, incapaz de fazer qualquer avaliação crítica de seu próprio passado e capitaneado por alguém que não viu problemas em afirmar que: "o salário mínimo cresceu demais", ele partirá para a conquista de corações e mentes à procura de renovação e mudança. Mas, para isso, seria bom tentar inovar ao menos no comportamento.
Por exemplo, é regra do jogo acreditar que quem grita mais alto "corrupção" leva tudo. Mas e se mudássemos o jogo e exigíssemos, primeiro, uma autocrítica a respeito das histórias escusas que circulam dentro de sua própria casa? Que tal criticar o mensalão só após explicar como é possível fazer parte de um grupo político composto por pessoas que idealizaram o próprio mensalão em sua versão 1.0 (o famoso mensalão mineiro)?
Da mesma maneira, a maioria da população espera ainda ser convencida sobre ações, digamos, controversas, como por exemplo o aeroporto público construído em terras de familiares e com chaves nas mãos de parentes. Melhor não fazer o que sempre faz seu partido quando cobrado por questões sobre a corrupção do metrô paulista ("Não vi a bola"), sobre o envolvimento de governadores como o goiano Marconi Perillo em esquemas ilícitos ligados a contraventores ("O juiz me prejudicou") e outros clássicos.
Aproveitando, valeria a pena explicar direito, entre outras tantas coisas, porque seu Estado não paga o piso salarial nacional mínimo aos professores, porque somente 35% das crianças mineiras conseguem vaga na educação infantil, porque efetivou sem concurso mais de 98 mil servidores, deixando essas pessoas em situação de fragilidade jurídica.
Neste jogo, repetir compulsivamente "renovação" não dá resultado algum.


Texto de Vladimir Safatle, na Folha de São Paulo

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