quarta-feira, 22 de outubro de 2014

Dez livros que pouquíssimos conseguiram terminar; veja a lista

O escritor Nick Hornby propõe queimar os livros excessivamente complicados ou que são lidos por puro esnobismo. Aqui está uma lista de volumes que carregam o estigma (muitas vezes injusto) de serem inacabáveis.
O romancista britânico Nick Hornby incitava, no último festival literário de Cheltenham, na Inglaterra, a se queimar em uma fogueira os livros complicados. A não insistir nesse romance que se instala na mesa de cabeceira como um parasita porque seu leitor é incapaz de lê-lo, mas não quer admitir sua derrota.
"Cada vez que continuamos lendo sem vontade, reforçamos a ideia de que ler é uma obrigação e ver televisão, um prazer", afirmava, em um elogio da leitura como atividade hedonista.
Ao longo de sua participação, muitos fóruns discutiram que títulos são os mais indigestos, mais uma versão do eterno debate de se lemos obras complicadas para podermos dizer que lemos ou pelo prazer de ler. Alguns levam essa ideia longe demais. O novelista britânico Kingsley Amis disse em sua maturidade que, a partir de então, com pouco tempo de vida pela frente, só leria "romances que começam com a frase: 'Escutou-se um disparo'". Talvez o pai de Martin Amis exagerasse (as memórias de seu filho, nas quais tanto o ataca, têm quase 500 páginas), mas são muitos os que opinam que "a vida é curta demais para se ler livros tão longos".
A seguir, uma lista de volumes que carregam o estigma (muitas vezes injusto) de serem inacabáveis.
1. "O Arco-Íris da Gravidade", de Thomas Pynchon
Este e outros romances do autor mais misterioso da literatura americana alcançaram, para muitos, a condição de literatura ilegível
No capítulo Girl in the Big Ten da 13ª temporada de Os Simpsons, a pequena Lisa quer se fazer passar por uma estudante colegial. Em uma cena, procura no armário de uma estudante e descobre esse novelão. A conversa que as duas têm se desenvolve assim: "Você está lendo 'O Arco-Íris da Gravidade'?", pergunta a pequena Simpson. "Bem, o estou relendo", responde a estudante. Essa brincadeira, e o fato de que apareça nesta série, resume até que ponto esta e outras novelas do autor mais misterioso da literatura americana alcançaram a posição de literatura ilegível. Não para todos, é claro. É famoso o professor George Lavine, que cancelou suas aulas para se fechar durante três longos meses de 1973 com o único objetivo de a engolir. Quando saiu de sua reclusão, afirmou que Pynchon é o melhor que aconteceu nas letras americanas no século 20.
2. "Crime e Castigo", de Fiodor Dostoyevski
De pouco adianta que se possa ler como um thriller psicológico e torturado que não se resolve até o último parágrafo. Talvez por seu título, que alguns consideram aplicável ao que representa sua escrita e sua leitura, poucos não se atrevem a tocar com um pau os delírios de Raskolnikov, ou os deixam como amostra de tormento.
3. "Guerra e Paz", de Leon Tolstoi
Outro exemplo da literatura russa que se costuma colocar nesse tipo de lista com brincadeiras, como: "Lamentavelmente, não cheguei nem ao primeiro tiro da guerra". Embora muitos o considerem uma leitura trepidante, ambientada na invasão napoleônica da Mãe Rússia, prefeririam ver a versão cinematográfica. Carrega o estigma recorrente de que ler os russos é complicado e mais cansativo do que escalar um pico dos Urais. Seu autor o escreveu convalescente, depois de quebrar um braço ao cair de um cavalo. Alguns leitores declaram nesse tipo de debate ter-se sentido assim durante sua leitura.
4. "Orgulho e Preconceito", de Jane Austen
Outro romance que esconde chaves em seu título. Alguns leitores a acabam pelo primeiro, o orgulho, e outros nem se aproximam por causa do segundo, puro preconceito. É um apogeu dos sussurros e das intrigas românticos, inclusive cômicos, mas o leitor contemporâneo muitas vezes se cansa das tensões sexuais que, no entanto, aprecia nas comédias televisivas. Esse leitor pouco paciente não é o único. O gênio Mark Twain chegou a declarar: "Cada vez que leio 'Orgulho e Preconceito' me dá vontade de desenterrá-la e golpeá-la no crânio com sua própria tíbia".
5. "Vida e Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy", de Laurence Sternex
Foi publicado em volumes durante oito anos. O autor morreu antes que saísse como romance; de fato, muitos especialistas consideram a obra inacabada depois de tantas páginas. O livro pretende ser a autobiografia do narrador, que se perde em digressões e voltas infinitas e engraçadas, mas não adequadas a todos os paladares. É uma peça fundamental na narrativa moderna e cômica, mas o fato de que o protagonista não nasça até o livro terceiro não ajuda muitos a aguentarem o volume nas mãos. Talvez prefiram a adaptação de Michael Winterbottom, embora pouco tenha de fidelidade, como não poderia ser diferente.
6. "A Divina Comédia", de Dante
O poema escrito por Dante Alighieri no século 14 pertence ao grupo dos que talvez enganem o incauto pelo título. Crucial na superação do pensamento medieval e ácido como limão nos olhos graças aos comentários sobre sua época, foi até vertido em monólogo por Richard Pryor. No entanto, muitos ficam na primeira parte (intitulada "Inferno") ou sequer passam pela segunda, o "Purgatório", e muito menos abraçam a definitiva, batizada de "Paraíso".
7. "Moby Dick", de Herman Melville
O músico Moby admite que, embora tenha adotado esse pseudônimo, jamais terminou de ler o romance. O autor é seu tio-bisavô
Se o protagonista de outro relato desse autor, Bartleby, o escrivão, esse advogado nova-iorquino enfastiado com seu trabalho, entre outras coisas, diz que "Preferia não o fazer", muitos leitores subscrevem essa frase quando enfrentam o romance definitivo de Melville. Não compartilham a obsessão cega do Capitão Ahab por caçar a baleia e se mareiam com a primeira tempestade em alto-mar. Não são os únicos, apesar da legião de fãs que vibram com esse livro; em uma recente reedição da obra em castelhano, o prólogo inclui uma suculenta anedota. O músico Moby (o que faz canções que saem em 80 anúncios) admite que nunca terminou o romance porque achou "longo demais". Uma pista: o músico calvo se chama, na realidade, Richard Melville e é sobrinho-bisneto do consagrado autor.
8. "Paraíso", de José Lezama Lima
As mais de 600 páginas dessa espécie de romance de aprendizado, exuberante em sua prosa como uma árvore carregada de frutos, são um inferno para muitos leitores. Muitos têm acesso à formação do poeta José Cemí aconselhados por Julio Cortázar, um autor fundamental para muitos adolescentes, do qual tentam devorar todas as suas pistas, mas a linguagem personalíssima e o longo alcance varrem um altíssimo tanto por cento do público de uma das novelas em castelhano do século 20. É mais curioso quando se sabe que o autor era cubano, um personagem pouco dado a esses confinamentos. Na narrativa latino-americana, e apesar de seu recente culto global ao autor, também se costuma brincar com "2.666", de Roberto Bolaño, que não alcança esse número de páginas, mas se aproxima dele, com mais de mil.
9. "As Aventuras do Bom Soldado Svejk", de Jaroslav Hasek / "Dom Quixote de la Mancha", de Miguel de Cervantes
Duas histórias picarescas com dois anti-heróis absolutamente inesquecíveis que carregam o problema de ser o clássico mais aplaudido de ambos os países
O mesmo bufo de aborrecimento e apatia nas classes tchecas e espanholas. E o pior é que ambos emitidos pela obrigação de ler duas das novelas mais divertidas e delirantes da história. Seu problema? Obrigar alunos imberbes, com os feromônios disparados, a entrar em suas numerosas páginas, para transformá-los em "um livro da Mancha --ou de Praga-- do qual não quero me lembrar". Entretanto, depois de lidos mais adiante, são mais viciantes que um saco de pipocas ou o seriado de maior audiência.
10. "Graça Infinita", de David Forster Wallace
É curioso que um romance, entre outras coisas, sobre o vício e o colapso da cultura do ócio desanime tantas pessoas. Suas mais de mil páginas, centenas delas notas de rodapé, o transformam em um dos livros pós-modernos chaves na história da literatura, mas também levam muitos a crer que seu infeliz autor, que acabaria se suicidando, havia escrito efetivamente uma espécie de piada sem graça infinita. Os leitores atuais traçam uma linha no chão e separam dois lados: o amam ou o odeiam.

Texto Miqui Otero, no El País, reproduzido no UOL. Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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