Assayas volta a exibir paixão pelas deteriorações do tempo
Longa exibido hoje na Mostra mostra estilo acadêmico de diretor francês
INÁCIO ARAUJOCRÍTICO DA FOLHA
Tudo em "Acima das Nuvens" se decide entre o passado e o presente. A ênfase no tempo começa pela situação imediata em que é colocada a célebre atriz Maria Enders (Juliette Binoche): ela é convidada a fazer um papel na peça do dramaturgo Wilhelm Merchior que a tornou uma estrela muitos anos atrás.
A diferença, angustiante, é que Maria no passado fez o papel da mocinha Sigrid. Desta vez ela fará o papel da senhora Helena. Pode ser mais evidente a marca que o tempo imprime em cada um de nós?
Essa marca só percebem, na verdade, os que envelhecem. Pois a assistente de Maria, Valentine (Kristen Stewart), assim como Jo-Ann (Chloë Grace Moretz), a jovem estrela de cinema que fará o papel que um dia foi de Maria, nem sequer se dão conta do que seja a duração: elas existem no imediato. Esse é o seu reino.
A isso, Olivier Assayas (cuja paixão pela inevitável deterioração que o tempo acarreta em vários níveis é constante: ver "Carlos" e "Depois de Maio") acrescentará a morte de Willhelm: marca mais definitiva do correr inexorável do tempo.
A angústia em face desses acontecimentos, Maria Enders vivenciará intensamente. Numa das boas sequências do filme, aliás, ela verá na casa de Wilhelm a um velho filme, a que reprova por ser pouco nítido e em preto e branco. A viúva do escritor responderá que ele gostava dessas imagens, justamente por serem antigas: porque elas vêm de longe.
A angústia de Maria rebate na sua dúvida: deve aceitar o papel? Porque cada pedaço do texto enfatiza a distância entre a juventude e a maturidade. E cada cena do filme passa a nos informar sobre as transformações do mundo: o comportamento das jovens, o filme hollywoodiano protagonizado pela jovem estrela, a maneira de se comportar, de falar, de idolatrar e menosprezar a grande artista.
Com isso, Assayas vai aos poucos gestando um novo tema para seu filme: o teatro e a vida, suas diferenças e semelhanças. Elas se refletem nas diferentes visões que Valentine e Maria têm do próprio texto.
A todos esses aspectos, cada um deles muito interessantes, vem somar-se, no entanto, uma sombra mais densa do que as nuvens do desfiladeiro a que se refere o título do filme: não raro parece que Assayas está evoluindo para uma direção um tanto acadêmica, que lembra bem mais o François Truffaut de "A Noite Americana" (1973) do que o Assayas de "Carlos" (2010): tem classe, mas falta algo de realmente vivo ali, tão vivo quanto as magníficas sequências iniciais do filme.
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