sábado, 18 de outubro de 2014

A volta do senhor


Aécio Neves não deve apenas às suas eventuais qualidades a ascensão impressionante de sua candidatura. O ódio que, espalhado pelas duas campanhas, domina o segundo turno indica que ele encarna aspirações mais profundas.
O senador mineiro é branco, conquistador, bem educado, rico de berço, nunca trabalhou (a não ser em política), está no topo das sociedades rural (sua família é dona de fazendas) e urbana (frequenta as praias, boates e os restaurantes da zona sul carioca). Representa o cume da pirâmide econômica e cultural brasileira, o ponto para onde boa parte da classe média olha com admiração e inveja.
Um montante desses eleitores cogitou votar em Marina Silva. Mas ela é autodeclarada negra, ex-doméstica, analfabeta até os 16 anos, nortista, carola, de saúde frágil e, mais grave, é cria do PT. Não faz parte do clube. Não é confiável.
O sentimento antipetista, que se fortaleceu com a piora da economia e com as graves denúncias de desvios de recursos da Petrobras, encontrou em Aécio o seu colo natural.
A legítima irritação com a corrupção faz ressurgir o grito do "mar de lama", que já elegeu Jânio Quadros e Fernando Collor, tendo antes contribuído para a morte de Getúlio Vargas –cujo fiel ministro da Justiça era Tancredo Neves, avô de Aécio.
O Bolsa Família dá condições mínimas de vida a 50 milhões de pessoas e aquece a economia de pequenos municípios; o Luz para Todos leva energia elétrica a cafundós esquecidos; o ProUni, o Fies e as cotas põem pobres nas universidades. Programas como esses são rechaçados por certas camadas da população, pois bagunçam um contrato social de 500 anos.
Sob um talvez sincero discurso de mudança, Aécio oculta um de restauração quase monárquica, de devolução do poder aos senhores de sempre. Muda-se para não mudar.


Texto de Luiz Fernando Vianna, na Folha de São Paulo

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