A vantagem de Dilma sobre Aécio no Nordeste tirou do armário a velha
conversa do separatismo no Brasil e o melhor do nosso racismo maroto,
nosso racismo moleque.
As manifestações são as mais desprezíveis possíveis, mas podem ser
resumidas no seguinte: o bolsa família é para miserável burro morto de
fome vagabundo vão viver às próprias custas e não encham nosso saco
senão não daremos mais nosso dinheiro de impostos para vocês
meritocracia.
Fulano escreveu, por exemplo, que “esses nordestinos desgraçados
parecem que não sabe [sic] que a culpa da falta de água é da lazarenta
da Dilma”. Outro, que “nordestino safado vota em Dilma vamos fazer outro
país”.
Quando a coisa parecia não poder
piorar, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso deu sua valiosa
contribuição ao debate da, digamos, “qualificação” do voto.
Numa entrevista a Josias de Souza e Mario Magalhães, do Uol, FHC
conseguiu classificar os eleitores petistas (43,3 milhões de almas) como
uma imensa massa desprovida de discernimento.
“O PT está fincado nos menos informados, que coincide de ser os mais
pobres. Não é porque são pobres que apoiam o PT, é porque são menos
informados”, afirmou.
O PT está “apoiado em setores da sociedade que são, sobretudo, menos
informados [...]. Geralmente é uma coincidência entre os mais pobres e
os menos qualificados.” Se há uma falha do PSDB, considera o
ex-presidente, é de não conseguir dialogar com esse pessoal.
Foi-lhe recordado que aquela abordagem ecoava a do brigadeiro Eduardo
Gomes e da UDN na campanha para a presidência de 1950. O brigadeiro
xingou de “marmiteiros” os eleitores do rival Getúlio Vargas.
Essa eleição foi pródiga em trazer à luz questões prementes. Levy
Fidelix, por exemplo, prestou um enorme serviço ao combate à homofobia —
embora involuntário — com sua diatribe homofóbica muito louca num
debate.
FHC ganha o status de guru do que o jornalista Elio Gaspari chama de
“demofobia”, medo do povo. Além da generalização estúpida sobre os
adversários, passa a ideia de que o pessedebista é o oposto: um tipo bem
informado e, por coincidência, mais rico.
Provavelmente, também por coincidência, de São Paulo, já que os
desfavorecidos de Minas e Rio deixaram Aécio Neves em segundo e terceiro
lugares, respectivamente. Já no Nordeste é aquela lama moral e
intelectual.
Bastaria um papo com um taxista nos Jardins para Fernando Henrique
mudar de ideia sobre esse personagem que votou em seu partido. Ou dar
uma boa olhada no Facebook para ver a quantidade de aecistas despejando
clichês higienistas num idioma remotamente parecido com o português, que
beleza.
Aécio teve uma sacada interessante — ele ou seu marqueteiro — ao
reabilitar FHC e desfilar com ele por aí. Puxou aplausos para o homem na
Globo. Em 2010, Serra fez questão de escondê-lo. Em circunstâncias
normais, alguém com um discurso fora de órbita como esse seria novamente
posto na geladeira. Como não vivemos em circunstâncias normais, FHC
passa a ser mais mais atual do que nunca.
Reprodução de texto de Kiko Nogueira, no Diário do Centro do Mundo.
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