Câmara derruba decreto de conselhos populares e impõe 1ª derrota a Dilma após reeleição
MÁRCIO FALCÃO
DE BRASÍLIA
DE BRASÍLIA
Dois dias após ser reeleita, a presidente Dilma Rousseff sofreu sua primeira derrota na Câmara dos Deputados. Os parlamentares aprovaram nesta terça-feira (28) um projeto que susta os efeitos de um decreto da petista que vincula decisões governamentais de interesse social à opinião de conselhos e outras formas de participação popular.
O texto segue para votação no Senado. A derrubada da medida foi capitaneada pelo presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), com apoio do PMDB, principal aliado do Planalto, partidos da base aliada e da oposição. O PT, PC do B e PSOL, favoráveis à consulta popular, ficaram isolados na defesa da proposta.
O projeto de Dilma foi rejeitado por votação simbólica, que não contabiliza os votos.
O decreto é polêmico. Partidos de oposição e alguns integrantes da base governista alegam que o ato fere prerrogativas do Legislativo. Além disso, dizem que a intenção do governo é aparelhar o processo de decisão governamental, a exemplo do que ocorre na Venezuela.
O texto determina que os órgãos da administração pública federal "deverão considerar" as novas regras, entre elas o desenvolvimento de mecanismos de participação dos "grupos sociais historicamente excluídos" e a consolidação "da participação popular como método de governo".
A expressão "deverão considerar" é central para o debate. O governo diz que não há obrigação do gestor de submeter os atos aos conselhos, apenas o estímulo. Oposição e congressistas têm interpretação contrária.
Além disso, o decreto estabelece orientações genéricas de como se dará a composição desses conselhos. A norma instituiu a chamada Política Nacional de Participação Social (PNPS), com o objetivo de "consolidar a participação social como método de governo" e aprimorar "a relação do governo federal com a sociedade".
Atualmente, há 40 conselhos e comissões de políticas públicas no Brasil, formados por 668 integrantes do governo e 818 representantes da sociedade. As atribuições variam de acordo com cada conselho, que podem ser consultivos, deliberativos, ou os dois.
Para o líder do PT, Vicentinho (SP), a votação na Câmara foi motivada por "birra pós-eleitoral". "A presidente quer ampliar a participação popular", afirmou.
Autor do projeto que cancela os conselhos, o líder do DEM, Mendonça Filho (PE), disse que era preciso reverter " esse decreto bolivariano".
O deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA) disse que a rejeição do decreto é educativa para Dilma. "Essa derrota é para manifestar que o discurso de diálogo, pregado pela presidente, não pode ficar só na teoria", afirmou.
"É uma votação histórica, é a manifestação de altivez desta Casa", afirmou Alves.
RETALIAÇÃO
A derrota de Dilma foi colocada por petistas na conta pessoal de Alves, que creditaram a movimentação à ressaca por sua derrota na disputa pelo governo do Rio Grande do Norte. O presidente da Câmara atribuiu ao PT, em especial ao ex-presidente Lula, que gravou vídeo para seu adversário, seu desgaste nas urnas.
O peemedebista negou que a deliberação das propostas seja retaliação ao governo. Ele afirmou que há três meses o projeto sobre os conselhos estão como o item prioritário da pauta. Ao longo da sessão que durou mais de duas horas, o deputado cobrou a presença dos parlamentares em plenário e pressa nas falas dos deputados.
Segundo líderes aliados, Alves voltou com "sangue nos olhos", sem disposição para o diálogo. Antes de chamar a votação do decreto e marcar para os próximos dias a análise de propostas com impacto fiscal, a chamada pauta-bomba, o peemedebista cobrou o PT por ter manobrado para impedir o avanço de uma proposta de reforma política fechada no ano passado, após os protestos de junho.
A fala ocorre depois de a presidente Dilma Rousseff ter apresentado como uma de suas principais bandeiras para o segundo mandato a realização de plebiscito para discutir uma reforma.
"Na Comissão de Constituição e Justiça, uma obstrução do PT impediu que fosse votada [a proposta]. Então, não é apenas discurso de fazer [a reforma política]. É tomar posições para perder ou para ganhar", afirmou Alves.
Alves costurou nesta terça o apoio dos líderes para destravar a reforma política na CCJ. Ele recolheu 15 assinaturas em um requerimento pedindo que a comissão analise a proposta discutida no ano passado.
Entre as medidas que fazem parte desta reforma que está engavetada, estão o fim da reeleição para cargos no Executivo, o fim do voto obrigatório, facilidades para criação de partidos, medidas para restringir a atuação de legendas com desempenho ruim nas eleições para deputados federais, além de engessar alianças eleitorais.
Antes de desembarcar na Câmara, ele ainda conversou com o vice-presidente, Michel Temer. Interlocutores disseram que Alves avisou sobre o clima e a pauta complicada para o retorno da Câmara após as eleições.
Seguindo orientação de correligionários, ele evitou polemizar com o ex-presidente Lula e afirmou que já "deletou" o episódio. Ele destacou ainda que tem "maturidade" para entender "circunstâncias do momento".
A aliados, Alves tem dito que pretende retornar ao Rio Grande do Norte, quando deixar o comando da Câmara em janeiro. Ele afirmou ainda que não está em seus planos assumir um eventual ministério da cota do PMDB em um novo mandato de Dilma.
Reprodução da Folha de São Paulo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário