Escândalos de corrupção envolvendo políticos são o assunto que mais consome páginas de jornais e minutos na TV. Em tempos de campanha eleitoral, ganham ainda mais centralidade: nos programas políticos dos candidatos, nos debates, nos comentários na mídia e nas redes sociais, em reuniões de família e mesas de bar.
A corrupção é de fato indignante: é desvio de dinheiro público, é comportamento antiético, conspurca o Estado. Ver políticos, secretários e gestores bebendo champanhe em Paris, passeando de jatinho ou comprando apartamentos que custam milhões de reais –tudo com nosso dinheiro– de fato revolta. No entanto, a maneira como os casos de corrupção têm sido apresentados, na verdade, mais oculta do que revela o problema.
Geralmente, os escândalos de corrupção estão relacionados a superfaturamento de obras e serviços contratados pelo Estado. Quando "estouram", imediatamente aparecem os "políticos corruptos" e o destino do dinheiro desviado por estes, mas quase nunca isso vem acompanhado de preocupação semelhante em mostrar o conjunto de atores, instituições e processos envolvidos no negócio.
Com tantos órgãos fiscalizadores e leis que constroem um enorme emaranhado institucional para impedir que a contratação de obras e serviços pelo Estado seja passível de corrupção e que, ao mesmo tempo, garantem a livre competição entre os fornecedores, por que será que a corrupção persiste? Para responder a essa questão, é preciso abordar assuntos sobre o quais não se fala.
Não se fala, por exemplo, na prática corrente de grupos empresariais que atuam nas obras e serviços públicos de dividir entre si tais obras e serviços, combinando previamente preços e, assim, garantindo mercados cativos, como o de coleta e destinação de lixo, transporte, energia... a lista é gigante. Não se fala, também, do controle das políticas públicas por estes grupos, quem terminam definindo que projetos e políticas serão executados, onde e como, e, evidentemente, ganhando as licitações para implementá-los.
Não se fala do grau de privatização do Estado brasileiro –não no sentido de repasse da prestação de serviços para empresas privadas, mas no sentido do controle dos processos decisórios sobre sua implementação. Não se fala nos uísques caros e passeios de jatinhos que rolam nas "amizades" pessoais entre as lideranças destes grupos e políticos e gestores de praticamente todos os partidos, absolutamente necessárias para garantir a perpetuação de seus contratos, de suas concessões, de seus monopólios.
Pouco se fala, aliás, de práticas cotidianas da cultura brasileira, como "molhar" a mão do guarda, acertar "por fora", que de tão banais nem parecem corrupção, mas são.
A corrupção não acaba porque, infelizmente, ela depende menos da existência de políticos corretos –que, sim existem!– que de um modelo de relacionamento do setor privado com o Estado brasileiro –do qual o financiamento de campanhas é um dos mecanismos–, que hoje perpetua relações de privilégios e benefícios privados para empresas, partidos políticos e indivíduos.
Falar em corrupção sem entrar nessas questões é apenas construir uma cortina de fumaça útil para não expor os verdadeiros beneficiários de todo o butim.
Falar em corrupção sem entrar nessas questões é apenas construir uma cortina de fumaça útil para não expor os verdadeiros beneficiários de todo o butim.
Texto de Raquel Rolnik, na Folha de São Paulo.
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