segunda-feira, 23 de setembro de 2013

Um plano para deixar a natureza seguir seu curso

Em uma planície aberta à nossa frente estão centenas de cavalos. A maioria deles é cinza com crina e cauda pretas. Suas cabeças se parecem mais com as de seus primos selvagens, as zebras, do que com as dos cavalos de montaria. Alguns até tem uma espécie de vestígio de listra no flanco.
"Poderíamos estar no Serengeti", diz Hans Breeveld, meu guia, referindo-se a planície na Tanzânia.
Bem, quase. Ao norte, encontramos outro grupo numeroso de animais de grande porte, desta vez são corças vermelhas com seus filhotes. Elas nos observam e balem como ovelhas.
Ao longe há animais massivos com imponentes chifres horizontais, que parecem ter saído de uma pintura rupestre. De vez em quando, um falcão marrom, uma grande e rara ave de rapina, paira acima, e vislumbramos uma águia de cauda branca, outra espécie incomum na maior parte da Europa, empoleirada numa árvore morta.
Em vez da África, estamos na Holanda, um dos países mais densamente povoados da Europa, num lugar chamado Oostvardersplaasen. Este trecho de pântano e pastagem de mais de 6 mil hectares, fica a apenas 45 minutos de trem a partir de Amsterdam. E é o local de uma experiência marcante e controversa que tem sido objeto de intenso debate nacional e atraiu a atenção de especialistas internacionais em gestão da vida selvagem e bem-estar animal.
Esta área selvagem começou como um pôlder rebaixado, uma terra que foi invadida pelo mar na década de 1960. Breeveld, que trabalhou como guarda no Oostvardersplaasen por cerca de 30 anos, explicou que a ideia era colocar a companhia de luz no local, mas a recessão chegou e os investidores não chegaram.
Entretanto, um pequeno grupo de cientistas e observadores de aves notaram que a área pantanosa estava atraindo espécies como garças que haviam se tornado raras ou desaparecido da Holanda. Algo especial estava acontecendo.
"Isso abriu uma janela para ver como grandes partes da Holanda eram no passado", disse Frans Vera, um ecólogo que tem atuado como defensor da reserva.
Vera e seus aliados pressionaram por uma forma incomum de gestão, que, tanto quanto possível, permite que a natureza siga seu curso.
Um pensador ousado e convincente, Vera argumentou que as áreas de gramíneas não devem ser pastadas por carneiros domésticos e gado, mas por animais que se assemelham a seus ancestrais selvagens. Como essas espécies foram extintas, ele escolheu os cavalos konik, descendentes poloneses do tarpan, e o gado Heck, que foi criado na Alemanha numa tentativa de recriar os auroques [espécie quase extinta de bisão europeu].
Pequenos grupos desses animais, além de veados vermelhos, foram introduzidos na década de 1980 e 1990. Há três anos, os números tinham aumentado para um total de cerca de 4 mil, sendo que os veados são de longe os mais numerosos. Nos últimos dois anos, houve um declínio, e cerca de 2.700 animais contados em abril, antes da época de reprodução.
Como no Serengeti ou qualquer outro ecossistema natural, uma grande parte dos animais morre a cada ano.
Embora o acesso ao Oostvardersplaasen seja restrito, trens passam com freqüência ao longo do perímetro da área, oferecendo aos passageiros uma visão de animais mortos ou qualquer outra coisa que esteja acontecendo.
"Muitas pessoas foram visualmente confrontadas com animais mortos no inverno", disse Frauke Ohl, professor de bem-estar animal na Universidade de Utrecht.
Os críticos, incluindo os defensores do bem-estar animal e grupos de caça, argumentam que permitir que os animais que estão cercados – embora num espaço grande – morram de fome é cruel e imoral e que os números precisam ser ativamente reduzidos.
Em resposta à pressão pública, o governo convocou um painel internacional de especialistas, incluindo Ohl , que recomendou em 2010 que os animais não devem ser submetidos ao sofrimento de morrer por inanição, mas devem ser sacrificados se parecer que não vão sobreviver ao inverno. Agora, à medida que a grama para de crescer e os alimentos se tornam escassos, os guarda-parques monitoram os animais de perto e atiram naqueles que parecem que não vão sobreviver.
Os críticos dizem que os animais ainda são muito numerosos para um lugar do tamanho do Oostvardersplaasen. Jozef Linthorst, presidente da Associação Red Deer na Holanda, que defende o bem-estar dos animais mas apoia a caça, diz que quando visitou o Oostvardersplaasen viu centenas de animais mortos no chão, enquanto os vivos estavam "o que chamamos de pele e osso".
Vera e outros dizem que os críticos estão julgando o bem-estar dos animais selvagens de acordo com padrões desenvolvidos para animais de estimação e de fazendas.
Especialistas dizem que o Oostvardersplaasen tem sido um laboratório útil para ver o que acontece quando grandes animais são reintroduzidos a uma paisagem europeia.
No dia de verão em que visitei o Oostvardersplaasen, o debate, que pode ser reavivado por um filme sobre a reserva chamado "O Novo Ambiente Selvagem", a ser lançado este mês, parece deixar de lado a beleza do ecossistema que cresceu lá. Um cavalo moveu as orelhas para trás e relinchou quando achou que estávamos chegando muito perto de seu grupo de éguas e potros. Ele relaxou assim que começamos a nos afastar.
"Qual deles você acha que eu deveria matar?", perguntou Breeveld.

Reportagem de Stanley Reed, para o International Herald Tribune, reproduzida no UOL. Tradução: Eloise De Vylder

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