sexta-feira, 6 de setembro de 2013

1964: golpe midiático-civil-militar

O golpe de 1964 não foi apenas militar. Nem mesmo apenas civil-militar como se diz agora. Foi midiático-civil-militar. Essa é a tese que defendo em meu livro “Jango, a vida e a morte no exílio”. Os militares, manipulados pelos Estados Unidos, executaram o que a mídia queria e conseguiu convencer parte da classe média e as classes altas conservadoras a quererem. Folha de S. Paulo, Estado de S. Paulo, O Dia, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, O Globo, Tribuna da Imprensa e todos os veículos influentes, à exceção da Última Hora, ajudaram a derrubar João Goulart. Sem a legitimação da mídia nada teria sido possível. A mídia foi o intelectual do golpe.
No dia 2 de abril de 1964, o Globo saiu com um editorial capaz de envergonhá-lo para sempre: “Ressurge a democracia”. Agora, em resposta direta ao meu livro, que destaca esse primeiro movimento e também um novo editorial, de 1984, em que Roberto Marinho ardilosamente, fingindo valorizar a abertura, renovava o seu apoio aos militares, o Globo resolveu retratar-se. É um falso pedido de desculpas. O jornal reconhece que errou, mas repete como verdadeiras as razões que justificariam as suas escolhas: “A situação política da época se radicalizou, principalmente quando Jango e os militares mais próximos a ele ameaçavam atropelar Congresso e Justiça para fazer reformas de ‘base’ ‘na lei ou na marra’. Os quartéis ficaram intoxicados com a luta política, à esquerda e à direita. Veio, então, o movimento dos sargentos, liderado por marinheiros — Cabo Ancelmo à frente —, a hierarquia militar começou a ser quebrada e o oficialato reagiu”. Tudo igual. Nada mudou.
O Globo continua pensando o que sempre pensou embora queira limpar sua barra para eliminar constrangimentos. A síntese de que não alterou sua forma de pensar aparece nesta frase sobre 1964: a situação era “aguçada e aprofundada pela radicalização de João Goulart, iniciada tão logo conseguiu, em janeiro de 1963, por meio de plebiscito, revogar o parlamentarismo, a saída negociada para que ele, vice, pudesse assumir na renúncia do presidente Jânio Quadros”. A culpa era de Jango. O erro estava em querer as reformas de base. Na sua falsa retratação, o Globo transforma Roberto Marinho, o maior beneficiário do golpe e da ditadura, em democrata incansável e perfeito: “Em todas as encruzilhadas institucionais por que passou o país no período em que esteve à frente do jornal, Roberto Marinho sempre esteve ao lado da legalidade”. Uau! Marinho foi um dos sustentáculos do golpe que sepultou a legalidade em 64.
O editorial de O Globo retratando-se é uma obra-prima da retórica da inversão: desdizer-se para reafirmar-se. É um passo: “À luz da História, contudo, não há por que não reconhecer, hoje, explicitamente, que o apoio foi um erro”. O próximo passo precisa ser o reconhecimento de que as reformas de base eram boas para o Brasil e o que Jango não representava o perigo comunista. Ou seja, aceitar que as causas eram falsas. Depois desse pedidinho de desculpas de um jornal, a bola fica com os militares. Quando as Forças Armadas pedirão desculpas por terem colaborado com o estrangeiro e jogado o país numa ditadura que matou, torturou e barbarizou?


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