A França ameaça expulsar os ciganos que vivem em seu território. Os neonazistas assassinam na Grécia. A Croácia manobra para salvar um criminoso da extradição e na Espanha a corrupção permeia todas as instituições. A Europa vive episódios cada vez mais preocupantes, dos quais emerge uma interpretação comum: a democracia está muito longe de garantida. É a rotunda conclusão da primeira análise séria que se realiza na União Europeia sobre a qualidade do sistema democrático.
O relatório, apresentado nesta quinta-feira (26) em Londres, revela importantes retrocessos na luta contra a corrupção, sobre as minorias e os direitos humanos. Valores que estão na própria essência do projeto comunitário.
Esses deslizes na aplicação da democracia eram associados há até muito pouco tempo aos recém-chegados ao projeto comunitário, os 12 países incorporados a partir de 2004 (mais a Croácia, que se somou neste ano). Mas o trabalho da Demos, um renomado grupo de pensadores britânicos que pesquisou por encomenda do grupo social-democrata no Parlamento Europeu, inclui diversos indícios de que a maré chegou às velhas democracias.
Esses deslizes na aplicação da democracia eram associados há até muito pouco tempo aos recém-chegados ao projeto comunitário, os 12 países incorporados a partir de 2004 (mais a Croácia, que se somou neste ano). Mas o trabalho da Demos, um renomado grupo de pensadores britânicos que pesquisou por encomenda do grupo social-democrata no Parlamento Europeu, inclui diversos indícios de que a maré chegou às velhas democracias.
O aumento das agressões contra imigrantes, assim como a maior rejeição declarada hoje pelos cidadãos a ter muçulmanos como vizinhos, são citados no documento como sinais preocupantes que chegam da Alemanha, equiparáveis aos emitidos pela radicalização do partido eurocético UKIP no Reino Unido.
Os problemas também afetam outros dos grandes fundadores do projeto comunitário. O trabalho inclui as "controvertidas políticas sobre a liberdade religiosa" na França, assim como os episódios de "corrupção, crime organizado e controle dos meios de comunicação" na Itália. "A democracia tem que ser avaliada constantemente. Inclusive países democráticos muito fortes enfrentam grandes desafios. Os dados desse relatório mostram que a democracia não pode ser considerada garantida; pode-se dizer que está ameaçada", alerta Jonathan Birdwell, um dos responsáveis pelo projeto, intitulado exatamente "A Democracia na Europa Não Pode se Dar como Garantida".
Uma das descobertas mais surpreendentes consiste em desmontar a associação direta entre crise econômica e deterioração da democracia. Porque os indicadores, que abrangem basicamente o período 2000-2008, embora alguns cheguem até 2012, já começaram a retroceder antes de 2008, quando a Europa ainda vivia instalada na bonança. Uma situação que se agrava com a entrada em recessão. Este especialista vincula a involução à falta de respostas políticas diante do fenômeno da globalização, que revolucionou as sociedades europeias. E adverte que os dados mais recentes, relativos a 2013, poderão projetar resultados piores.
O estudo da Demos referenda sinais de alerta anteriores lançados pelo Parlamento Europeu e a Comissão Europeia. O relatório combina pela primeira vez 22 indicadores muito diferentes, agrupados em cinco campos relativos à democracia: processos democráticos (incluindo a corrupção, que drena anualmente 1% do PIB europeu, segundo dados que a Demos atribui à Comissão Europeia), direitos fundamentais, respeito às minorias, cidadania ativa e capital social e político.
Os dados, de diversas fontes oficiais ou organizações sociais, refletem que a maioria dos valores que foram se consolidando ao longo dos anos 1990 começaram a retroceder. "Já não estamos falando só da crise do euro e sua gestão. É um processo que afeta os fundamentos do modelo social europeu. Está se firmando uma imagem da política subordinada a grandes poderes factuais", reflete Juan Fernando López Aguilar, eurodeputado social-democrata espanhol que preside a Comissão de Liberdades do Parlamento Europeu.
Apesar de os perigos percorrerem todo o espaço comunitário, o estudo identifica na Grécia e na Hungria as maiores deteriorações dos pilares democráticos. A irrupção do partido neonazista Aurora Dourada no Parlamento e a ascensão da direita autoritária na Hungria aparecem como riscos imediatos. López Aguilar lança uma autocrítica aos partidos majoritários: "A extrema-direita se mobiliza; é imperativa, beligerante e está extremamente comprometida com seus eleitores. Os partidos majoritários, lamentavelmente, têm um perfil mais baixo: como se a defesa da democracia fosse uma batalha que não é preciso lutar".
Além de expor a gravidade do problema, o documento aporta possíveis soluções, que se resumem em um papel mais ativo da Comissão Europeia para vigiar a democracia dentro de suas fronteiras. "Ainda há poucos mecanismos à disposição da UE para garantir que os Estados membros não retrocedam e se tornem menos democráticos depois de ingressar", explica. Esse é exatamente o principal desafio. Porque os países receiam que Bruxelas examine se estão respeitando o Estado de direito. "Para evitar esse risco de politização, propomos que seja uma agência independente que avalie de forma objetiva e rigorosa o cumprimento dos valores democráticos", sugere o autor do trabalho.
A Espanha aparece relativamente mal no marcador europeu da democracia, exceto na tolerância para com as minorias. O pior resultado é obtido no registro de estabilidade política e ausência de violência, onde só é superada pela Romênia e a Grécia, embora o estudo o vincule ao terrorismo do ETA. Em direitos fundamentais, a Espanha projeta, junto com a Hungria, a maior queda na classificação europeia no período 1999-2011. Em geral, os países nórdicos encabeçam a classificação democrática, e os das últimas ampliações da UE figuram em último lugar.
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