Computação gráfica aposenta gênero 'Godzilla'
Por MARTIN FACKLER
CHOFU, Japão - Daisuke Terai interpreta um dos personagens mais conhecidos da história da ficção científica, mas poucos fãs já viram o rosto do ator. Isso porque Terai veste uma brilhante roupa prateada e vermelha antes de entrar em um cenário feito de árvores e edifícios em miniatura para lutar como o super-herói cósmico Ultraman.
Em uma tarde recente, o personagem de Terai estava em um combate mortal para defender a Terra de um gigantesco dinossauro extraterrestre com olhos luminosos e garras aguçadas, chamado Grand King. Quando as câmeras pararam, Terai, 36, muito suado, retirou a parte superior do traje de Ultraman enquanto contrarregras removiam as pontas de espuma de Grand King, revelando um zíper nas costas da fantasia de 30 quilos.
Durante décadas, os estúdios japoneses surpreenderam e aterrorizaram o mundo com filmes e programas de TV de monstros. Para isso, usavam atores com roupas de borracha que destruíam Tóquios em escala reduzida ou lutavam no topo de montes Fujis miniatura.
O gênero, conhecido aqui como "tokusatsu", ou "filmagem especial", ajudou a globalizar a indústria de cinema japonesa ao produzir criaturas fabulosas como Godzilla e Mothra. Além disso, abriu caminho para outros gêneros de fantasia, como o "animé".
Mas hoje, em uma era em que efeitos digitais realistas fazem parecer ridículo usar maquetes e atores fantasiados, o "tokusatsu" está rapidamente se tornando coisa do passado. O último filme de Godzilla feito nesse estilo, adequadamente chamado de "As Guerras Finais de Godzilla", foi lançado há quase uma década, depois de um período de meio século em que a criatura apareceu em 28 filmes, às vezes anualmente.
Apenas duas companhias ainda usam efeitos de "tokusatsu": a Tsuburaya Productions, que faz Ultraman, e a Toei, que produz "Kamen Rider" e "Super Sentai" (conhecidos como Power Rangers em outros países). São séries de televisão de baixo orçamento para crianças que apresentam super-heróis gigantescos. A Tsuburaya também faz filmes. O último, "Ultraman Ginga", foi lançado no dia 7 de setembro no Japão.
Hoje, quando Hollywood faz filmes inspirados em "tokusatsu" -como "Círculo de Fogo", de Guillermo del Toro- ela conta com requintada computação gráfica. "Um dia, olhamos ao redor e percebemos que quase ninguém mais está fazendo 'tokusatsu'", disse Shinji Higuchi, um dos poucos diretores japoneses que ainda têm experiência no gênero. "Não queremos que essa técnica simplesmente desapareça em silêncio, sem pelo menos reconhecer o quanto devemos a ela."
Em resposta, Higuchi está tentando, senão ressuscitar o "tokusatsu", pelo menos deixar sua crônica para as gerações mais jovens. No ano passado, ele ajudou a organizar o Museu de Efeitos Especiais Tokusatsu, uma exposição itinerante no Japão que apresenta a história do "tokusatsu", remontando a suas origens nos filmes de propaganda da Segunda Guerra Mundial, com modelos de aviões tão realistas que a inteligência americana pensava que fossem gravações de combates reais.
O homem que os filmou, Eiji Tsuburaya, depois criou o Godzilla original no filme preto e branco de 1954 que se tornou sucesso mundial e iniciou o gênero "tokusatsu". "Tínhamos de improvisar e fazer as coisas pareceram reais na tela", disse Haruo Nakajima, 84, o ator que interpretou Godzilla no filme original e em dezenas de sequências.
"Nossa esperança é que a exposição ajude as gerações mais jovens a encontrar inspiração para levar o 'tokusatsu' em uma nova direção", disse Higuchi, 47.
Aqui no set de "Ultraman Ginga", a variante de televisão mais nova do herói original, a maioria dos trabalhadores era de veteranos na faixa dos 50 e 60 anos, que arranjavam galhos de árvores no cenário para parecer uma floresta miniatura ou colocavam explosivos de artifício na roupa de espuma de Grand King para explodir quando o monstro fosse alvejado por Ultraman.
O diretor, Yuichi Abe, disse que a utilização de atores, modelos e explosivos reais deu ao "tokusatsu" um nível de realismo impossível com a computação gráfica, ou CG. "A CG só faz o que o programador lhe diz para fazer, por isso não há surpresas", disse Abe, 49, que dirigiu meia dúzia de filmes e séries de televisão do Ultraman. "Com o 'tokusatsu', cada tomada é diferente. Você nunca sabe qual será o resultado, como no mundo real."
Reportagem do The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo.
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