quinta-feira, 12 de setembro de 2013

As novas relações de poder

São inegáveis as consequências positivas da era global e digital que nasce. O aumento da produtividade e o barateamento de serviços são bons exemplos. Mas há, por outro lado, um aspecto que preocupa.
Mercados só funcionam quando o Estado provê pressupostos de organização. Investimentos requerem o funcionamento saudável das instituições. Como demonstraram Daron Acemoglu e James A. Robinson em "Por Que as Nações Fracassam", as sociedades que não deram certo foram aquelas que não conseguiram construir instituições robustas.
Mas a vida é dinâmica. Mesmo sociedades que conseguiram construir instituições fortes e se desenvolveram podem vir a assistir a uma regressão. Niall Ferguson, em "A Grande Degeneração", defende que o mundo ocidental entrou em decadência depois de um período longo e próspero em razão do desgaste de instituições outrora vigorosas.
E isso aconteceu não por outro motivo que o desenvolvimento da era global e digital.
Enquanto as relações de poder tradicionais estão em processo de putrefação, contrapoderes emergem. A primeira vítima é o Estado nacional. Os desafios de políticas públicas não se resolvem em sua esfera. Regulação de mercados, eficiência de sistemas tributários, combate ao crime organizado --nada disso terá solução sem alguma forma de internacionalização articulada das iniciativas de caráter público.
A globalização e a digitalização fornecem instrumentos para empresas, organizações e indivíduos driblarem as tentativas de controle e regulação dos Estados. Luta inglória, que só faz aprofundar a perda de credibilidade das instituições.
Manifestações pelo mundo mostram com que rapidez um evento circunscrito pode se transformar num tsunami de contestações.
Os sistemas políticos em geral--e no Brasil não é diferente-- são organizados de maneira que a luta pelo controle do Estado se traduz em disputas midiáticas simplistas. A lógica do marketing político costuma levar à venda irresponsável de esperanças por meio de soluções inviabilizadas pela fragilidade do Estado.
Os partidos dificilmente conseguirão protagonizar iniciativas de solução duradoura. A razão é simples: eles disputam o poder local quando os problemas são globais.
É preciso avançar em três frentes: fortalecer entidades da sociedade civil, fazer os ajustes públicos em nível local e trabalhar na construção de uma coordenação nas áreas que exijam esforços internacionais.
Como procurei argumentar, e este é o ponto que quero destacar neste artigo, a agenda de lutas não pode ficar restrita às frentes nacionais. Poderes locais ajudam a florescer instituições da sociedade civil, que, reciprocamente, melhoram o funcionamento dos poderes locais.
Mas a construção de sistemas eficazes de gestão dos desafios atuais, que são internacionais, só será possível com iniciativas internacionais.
É necessário um projeto de reformas que venha de uma sociedade internacional articulada e ativa, protagonizada por instituições civis que percebam que, sem sua atuação organizada, não haverá pressão para que as disputas locais passem a considerar também a solução de temas internacionais.


Texto de Antonio Kandir, na Folha de São Paulo

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