sábado, 14 de setembro de 2013

Jara, a morte do poeta e o triunfo da barbárie

Diz-se que a primeira vítima de uma ditadura é a verdade. É bem verdade que a verdade morre ao primeiro anúncio, o da justificativa de um golpe. A primeira vítima humana da ditadura chilena, implantada em 11 de setembro de 1973, foi o presidente eleito democraticamente Salvador Allende, que se matou depois de ter tentado ser fiel às verdades que defendera como candidato. A segunda vítima foi a democracia, assassinada com ajuda dos Estados Unidos. A terceira vítima foi o povo. Em seguida, os cadáveres se amontoaram no Estádio Chile. Uma vítima inesquecível foi Victor Jara, executado com 44 tiros quatro dias depois da entrada na escuridão.
Victor Jara era perigoso, assustador, temível. As ditadura da América do Sul sempre tiveram horror a esse tipo de gente, que trataram de eliminar. Um inimigo terrível capaz de desestabilizar um regime em poucos segundos. Filho de camponeses, andava sempre armado até os dentes. Cuspia projéteis. A sua arma letal era venenosa, sutil e sinuosa: a palavra. Mais especificamente, o verso. Absolutamente livre. Jara trocou o canto gregoriano do seminário pela canção popular.
O seu maior crime foi querer mudar este mundo.
Os poetas, aparentemente inúteis e inofensivos, podem afetar a ordem. Um país sem poetas tem mais chances de ser obediente. Correu o boato de que as mãos de Jara teriam sido cortadas por seus torturadores. Isso não aconteceu. Elas foram apenas esmagadas por coronhadas. Não eram as mãos do poeta que incomodavam os aliados de Pinochet, mas a língua, os pensamentos, a capacidade de formular versos contestadores, a ideologia. Daí a necessidade de matá-lo bem morto, com mais de quatro dezenas de balas. No estádio transformado em prisão, o poeta produziu o seu epitáfio, que marcou o nascimento da tragédia.
Cantou, antes de morrer, o horror ao vivo.
O Estádio Chile hoje se chama Estádio Victor Jara. Em 2009, chegou-se ao nome do militar que disparou o primeiro tiro, Pedro Barrientos. A família espera que um dia ele seja extraditado dos Estados Unidos para ser julgado. Quando os Estados Unidos pedirão desculpas a todos os países que mergulharam em ditaduras? Claro que não o farão, afinal continuam acreditando que foi pelo “nosso bem”. Em dezembro de 2012, a justiça chilena determinou que os sete militares envolvidos na execução de Jara sejam julgados. Quando o mesmo acontecerá com os torturadores brasileiros?
Até quando serão protegidos pelo STF, que impede a revisão da Lei da Anistia?
No estádio da sua morte, Jara escreveu: ¡Qué espanto produce el rostro del fascismo!/Llevan a cabo sus planes con precisión artera/sin importarles nada./La sangre para ellos son medallas./La matanza es un acto de heroísmo./¿Es este el mundo que creaste, Dios mío?”. A verdade continua sendo massacrada. Os defensores de Pinochet não se entregam. A ditadura teria valido a pena, transformando o Chile num exemplo de êxito econômico. A poesia, a vida e a democracia teriam sido apenas o preço exigido pela economia para colocar o Chile nos trilhos.


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