segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Como o descobrimento das Américas transformou o mundo

A chegada de Colombo nas Américas causou uma globalização de animais, plantas e micróbios. Um livro recente observa mais de perto como os itens do Novo Mundo, como batatas, guano e borracha, logo transformaram radicalmente o resto do planeta.
Tabaco, batatas e perus foram da América para a Europa. Em troca, os europeus trouxeram trigo, sarampo e cavalos. Mas quem se dá ao trabalho de pensar nas minhocas? No entanto, elas também foram trazidas à América pelos europeus, e dificilmente com menos consequências do que outros imigrantes mais famosos.
Extintas em grande parte da América do Norte desde a Era do Gelo, as minhocas começaram a se espalhar lá mais uma vez depois da viagem de Cristóvão Colombo. Onde essa espécie apareceu nas florestas americanas, mudou a paisagem, arejou o solo, decompondo a folhagem caída e acelerando a erosão e a troca de nutrientes. As minhocas facilitaram o crescimento de algumas plantas, enquanto roubaram o habitat de outras. Eles tomam espaço de vida de insetos, enquanto fornecem uma nova fonte de alimento para alguns pássaros.
Em suma, uma floresta com minhocas é diferente de uma floresta sem elas. Como resultado, a minhoca começou a transformar a América.
Essa história surpreendente é apenas uma das muitos compilados pelo jornalista Charles Mann em seu último livro, "1493: Desvendando o Novo Mundo que Colombo Criou". Enquanto o best-seller anterior de Mann, "1491: Novas Revelações das Américas Antes de Colombo", concentrava-se na história da América pré-colombiana, ele agora volta sua atenção para as mudanças trazidas pela descoberta deste continente pelos europeus.
Nenhuma outra pessoa, sugere Mann, mudou a face da Terra tão radicalmente quanto Colombo. Travessia do Atlântico de Colombo marcou o início de uma nova era, não só para as Américas, mas também para a Europa, Ásia e África, diz Mann.
Era o início da era do comércio global. Os oceanos já não representavam barreiras para as pessoas, bens, animais, plantas e micróbios. Era como se Pangaea, o supercontinente que se separou há 150 milhões de anos, tivesse se juntado num piscar de olhos geológico.
Antes de as caravelas Nina, Pinta e Santa Maria se lançarem ao mar em 1492, não só a existência das Américas era desconhecida para o resto do mundo, mas a China e a Europa também sabiam pouco uma da outra. Um século mais tarde, o mundo estava muito diferente. Galeões espanhóis atracaram em portos chineses carregando prata extraída por africanos na América do Sul. Mercadores de tecidos espanhóis recebiam seda chinesa em troca, entregues por atravessadores no México. E os ricos que queriam relaxar – quer fosse em Madri, Meca ou Manila – fumavam as folhas de tabaco importadas das Américas.
Contada com entusiasmo e com uma grande dose de alegria nos detalhes narrativos, Mann narra a história da criação do mundo globalizado, oferecendo muitas surpresas ao longo do caminho. Quem dentre nós sabia do papel que a batata-doce teve na explosão demográfica da China? Quem sabia que a melhoria da produtividade agrícola usando excrementos de aves como fertilizante começou no Peru? Certamente, poucos sabem do papel decisivo que os mosquitos carregando malária tiveram no destino dos Estados Unidos.

O "intercâmbio colombiano"

O autor leva seus leitores a uma viagem de descoberta ao redor do mundo pós-colombiana. A história começa em Jamestown, uma colônia britânica no que hoje é o estado da Virgínia, nos EUA, onde um navio pirata holandês chegou em agosto de 1619, com quase duas dezenas de escravos negros a bordo, capturados quando os piratas atacaram um navio negreiro Português. Como era época da colheita, os colonos de Jamestown aproveitaram a oportunidade para comprar os escravos.
Essa compra deu início à escravidão nos Estados Unidos. Mas o que os produtores de tabaco Virgínia não sabiam era que, ao comprar o trabalho de escravos da África, eles também adquiriram a doença que os africanos carregavam no sangue. Plasmodium falciparum, o parasita que causa a malária, havia ganhado abrigo na América do Norte. Os ataques desta febre foram um preço alto que os fazendeiros pagaram por explorar os escravos africanos.
Mann argumenta que isso teve conseqüências de longo alcance. No norte, onde o clima frio tornou difícil para que os mosquitos da malária sobrevivessem, diz ele, os imigrantes europeus tiveram uma alternativa barata aos escravos africanos. Na América do Sul, no entanto, os caucasianos não se deram tão bem com as plantações de algodão e tabaco infestadas de mosquitos. Apenas os escravos da África trouxeram consigo um certo grau de resistência.
Dessa forma, argumenta Mann, a malária consolidou o sistema de escravidão na América do Sul. Os donos brancos das plantações se retiravam para suas mansões em lugares arejados que ofereciam uma proteção parcial contra a doença, deixando os escravos negros trabalhando nas plantações.
Quando ele viu pela primeira vez um mapa do alcance da malária, Mann diz que foi como se um véu saísse da frente de seus olhos. Essa extensão vai quase que exatamente da Linha Mason-Dixon, ao longo da qual a Guerra Civil Norte-Americana irrompeu em 1861, entre os estados escravagistas do sul e os soldados da União do norte.
O "intercâmbio colombiano" – como os historiadores chamam esse intercâmbio transcontinental de seres humanos, animais, micróbios e plantas – afetou mais do que apenas as Américas. Na China, por exemplo, a nova era começou quando marinheiros relataram o súbito aparecimento de europeus nas Filipinas em 1570. O surpreendente disso foi que eles atravessaram o oceano e chegaram pelo leste.
Até este ponto, a China havia mostrado pouco interesse na Europa, acreditando que os habitantes do continente tinham pouco a oferecer à próspera civilização chinesa. Desta vez, porém, os recém-chegados trouxeram algo das Américas que eletrizou a China – a prata.
Este metal precioso era a forma mais importante de moeda, na qual todos os negócios eram feitos, durante a dinastia Ming. Assim, aos olhos dos chineses, os galeões da América do Sul chegaram carregados com nada mais nada menos do que dinheiro puro.
Não é de admirar, portanto, que um vívido comércio transpacífico tenha se desenvolvido rapidamente. Para desgosto da coroa espanhola, grande parte da prata extraída nos Andes foi entregue não à Espanha, mas à distante China. Em troca, seda, porcelana e outros bens de luxo chineses fizeram o seu caminho para o leste em direção ao México.

A corrida da prata

Mann usa o exemplo de duas cidades em expansão do século 17 para ilustrar a mudança que tomou conta do mundo durante este período. Ostentosas, agressivas e cheias de energia, essas cidades representavam o espírito de uma nova era.
Uma delas, talvez a cidade mais fora de controle da história do mundo, foi estabelecida no alto da Cordilheira dos Andes. A cidade mineradora de Potosi, cercada por nada além de neve e rocha nua, inflou até o tamho de Londres no espaço de poucas décadas. Enquanto buscadores de fortuna europeus se entregavam aos prazeres nos bordéis de luxo da cidade, milhares de indígenas trabalhavam e lutavam por suas vidas na escuridão as maiores minas de prata do mundo.
Parián, a primeira Chinatown do mundo, não é muito menos bizarra. Localizada perto de Manila, Parián cresceu rapidamente e se tornou mais populosa do que a própria cidade colonial espanhola, com um labirinto de lojas, casas de chá e restaurantes que se formou em torno de alguns grandes armazéns. Agentes espanhóis viajavam para lá para fazer negócios, e a prata de boa qualidade de Potosí podia comprar quase tudo, desde botas de couro até baús de marfim até aparelhos de chá. Até mesmo figuras de mármore habilmente esculpidas do menino Jesus eram ofertadas.
Para os governantes da China, no entanto, essa enxurrada de prata provou ser uma maldição. Quanto mais metal precioso os galeões espanhóis enviavam para Manila, mais o seu valor caía. O resultado: inflação, déficits fiscais, agitações e derramamento de sangue e, por fim, o colapso do regime. O último imperador Ming foi sucedido pela dinastia Qing.

Safras americanas na China

Mas ainda mais do que a própria prata, o que desempenhou um papel fundamental no destino da China foram três culturas que chegaram na esteira da prata – batata, batata doce e milho. Estas plantas exóticas resistentes e de alto rendimento podiam crescer até mesmo em solos que não eram adequados ao plantio de arroz.
Essas três culturas das Américas transformariam trechos inteiros de terra no sul e no oeste do império chinês, onde o terreno montanhoso parecia inadequado para a agricultura porque o solo estava muito esgotado ou era infértil para ser cultivado. As novas plantas das Américas, porém, transformaram terras antes áridas em terras aráveis. Com o governo chinês incentivando agressivamente a agricultura, milhões de pessoas estabeleceram um novo modo de vida como produtores de batatas e milho nas montanhas.
Hoje, essas culturas importadas dos Andes formam uma parte considerável da dieta da população de mais de um bilhão da China. O país é o segundo maior produtor mundial de milho, depois dos EUA, e de longe o maior produtor de batatas.
Mas esta revolução agrícola teve suas desvantagens, uma vez que muitas florestas nas montanhas foram vítimas das novas lavouras. Essas encostas, agora sem árvores, não tinham mais nenhuma proteção contra a chuva e deslizamentos de terra começaram a ocorrer em muitos lugares. As áreas em torno do rio Yangtsé e Amarelo agora estavam sujeitas a grandes enchentes quase todos os anos.
No departamento meteorológico central da China, em Pequim, Mann examinou mapas que documentaram como o número e a escala das enchentes mudou ao longo dos séculos. "Folhear os mapas foi como observar um filme animado de um colapso ambiental", lembra-se.

Alternando vencedores e perdedores

Aumentar o contato entre os continentes certamente levou ao progresso, mas também trouxe sofrimento e exploração. Não há quase nada pelo que pessoas não tiveram que suar e morrer, escreve Mann, acrescentando que sua pesquisa o ensinou uma coisa acima de tudo: se fôssemos obrigados a abandonar tudo o que foi tingido pelo sangue, não nos sobraria muito.
O surgimento da agricultura moderna demonstra isso de forma dramática. Tudo começou com as descobertas de dois alemães. O viajante global Alexander von Humboldt foi o primeiro a se interessar pelos povos indígenas que quebravam pedaços malcheirosos das falésias rochosas onde os pássaros se empoleiravam ao longo da costa peruana. O químico Justus von Liebig, em seguida, reconheceu que o pó resultante, graças ao seu elevado teor de nitrogênio e fósforo, era um excelente fertilizante.
O guano, como os habitantes locais chamavam esta substância feita de excrementos de aves endurecidos, logo se tornou um dos produtos importados mais significativas do afluente continente europeu. Mann calcula que o valor total das exportações de fertilizantes naturais do Peru equivaleria a US$ 15 bilhões atualmente.
Desta vez, os chineses estavam entre os que sofreram, obrigados a trabalhar em meio ao cheiro ruim de amônia do guano. Um total de cerca de 100 mil chineses foram atraídos para a distante América do Sul por falsas promessas.
Assim como a agricultura da Europa se tornou dependente de um produto natural da América do Sul, o mesmo aconteceu com a sua indústria, uma vez que a borracha, quer fosse na forma de pneus para carros, cabos de isolamento ou anéis de vedação para canos – se tornou uma parte indispensável da tecnologia moderna.
Retirada da casca da seringueira, a borracha natural foi enviada através do Atlântico em quantidades cada vez maiores. Não importa o quão rapidamente as exportações de borracha do Brasil aumentassem, a demanda crescia ainda mais rapidamente e os preços continuavam a subir.
Mas o fim súbito da expansão ocorreu quando o mal-das-folhas, um fungo sul-americano, dizimou quase todas as plantações de seringueiras da América do Sul. A Tailândia, Indonésia e Malásia se tornaram então superpotências produtoras de borracha, substituindo o Brasil, a Venezuela e o Suriname. Isso foi possível por causa de um britânico chamado Henry Wickham, que se tornou uma espécie de herói do "intercâmbio colombiano" ao contrabandeou sementes de seringueiras brasileiras para fora do país em 1876.
A facilidade com que um segundo Wickham poderia ter viajado – desta vez espalhando não a seringueira, mas o mal-das-folhas, ao redor do mundo – deixou claro para Mann durante uma viagem de pesquisa, quando se encontrou no meio de uma plantação de borracha asiática, usando as mesmas botas que havia usado meses antes numa caminhada pela floresta tropical brasileira. E se alguns esporos do fungo estivessem presos às suas botas?
Em algum momento o intercâmbio colombiano completará um círculo fechado, escreve Mann, e então o mundo terá outro problema. 

Texto de Johann Grolle, para a Der Spiegel, reproduzido no UOL. Tradutor: Eloise De Vylder

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