quinta-feira, 26 de setembro de 2013

EUA têm dificuldade em descartar suas próprias armas químicas

Especialistas do Exército estão escavando, com muita cautela, um terreno baldio a 6 km da Casa Branca, onde antes havia uma casa de tijolo, perto do campus da American University.
Uma tenda gigante cobre o local, e os alarmes estão prontos para disparar em caso de vazamento de venenos mortais. Depois de décadas de trabalho, a descontaminação do cemitério de munições químicas da Primeira Guerra Mundial deve ser concluída até o final do próximo ano.
O próximo ano também foi o prazo limite dado para a Síria eliminar todo o seu arsenal químico, de uma extremidade a outra do país, segundo o plano russo-americano anunciado há alguns dias.
A disparidade entre a pressa na Síria e a lentidão americana marca as dificuldades do plano, mesmo que a Síria coopere. Quase todas as etapas no esforço americano para se livrar de armas químicas fabricadas entre a presidência de Woodrow Wilson e a de Ronald Reagan foram mais complexas, mais demoradas, mais caras e mais ambientalmente preocupantes do que se imaginava.
Os gastos até agora estão em US$ 35,4 bilhões (em torno de R$ 70 bilhões), e não há um final à vista para a novela que tem sido a destruição de armas químicas, envolvendo não apenas este bairro de embaixadores e ex-presidentes em Washington, mas centenas de pontos em todo o país, desde um incinerador gigante em Utah até um depósito de armas no Alabama de mais de cinco quilômetros de comprimento.
Claro que o arsenal americano era muito mais velho e cerca de 30 vezes maior do que o da Síria quando os Estados Unidos assinaram o tratado internacional para a proibição de armas químicas, em 1997. E, ao contrário da Síria, o país deparou-se com a oposição dos cidadãos em certos planos de desmantelamento.
Por outro lado, os Estados Unidos não têm uma guerra civil para atrapalhar o trabalho perigoso de destruição de armas químicas.
Mas, fundamentalmente, a disparidade entre os dois planos está em filosofias diferentes de desarmamento químico - rápida e suja contra lenta e cara. Ao longo das décadas, os
Estados Unidos passou de uma abordagem para a outra, diante de preocupações crescentes com possíveis ameaças à saúde pública e ao meio ambiente.
Os peritos químicos apontam para a possibilidade de uma abordagem híbrida que poderia livrar a Síria das armas químicas de forma relativamente rápida, minimizando os riscos.
"A tecnologia existe", disse Lenny Siegel, diretor-executivo do Centro de Vigilância Ambiental Pública, um grupo de Mountain View, na Califórnia, que acompanha de perto a limpeza de tóxicos do Exército. "As armas podem ser destruídas com segurança não muito rapidamente e certamente não de uma forma barata. Mas é possível".
O arsenal dos EUA remonta a 1917, quando o país começou a produzir gás mostarda e outros venenos para uso na Primeira Guerra Mundial.
Ao longo das décadas, o arsenal tornou-se muito mais mortal. O principal veneno era o sarin, o mesmo gás utilizado no ataque de 21 de agosto, nos subúrbios da capital síria que, segundo o governo Obama, matou mais de 1.400 sírios. O gás deixa os nervos e músculos em hiperatividade, resultando em convulsões, paralisia pulmonar e morte. As pupilas das vítimas muitas vezes ficam minúsculas porque a íris, que é um músculo, se contrai tanto.
Como regra geral, as armas químicas são mais fáceis de fabricar do que de destruir. "Todo mundo esquece que nenhuma destas armas foi projetada para ser destruída pacificamente. Sempre se assumiu que seriam usadas", observou em uma entrevista Miguel E. Monteverde, um porta-voz do Exército.
Quando os Estados Unidos começaram a destruir munições defeituosas e obsoletas, a abordagem rápida foi utilizada: elas foram queimadas e enterradas. Com o tempo, um depósito esquecido em Spring Valley tornou-se um bairro de casas elegantes em Washington.
"Sabemos que vamos encontrar coisas, mas não sabemos ao certo o quê", disse Andrea Takash, uma porta-voz do Exército, na sexta-feira. O custo total para a limpeza do bairro, ela notou, está estimado em mais de US$ 230 milhões.
Outro meio de se livrar das armas era simplesmente despejá-las no mar. Os Estados Unidos fizeram exatamente isso até o início dos anos 1970, quando um tratado global proibiu tais práticas.
Finalmente, os ambientalistas diriam tardiamente, o Exército se voltou para um método mais caro. Construiu usinas para destruição no Alabama, Arkansas, Utah, Oregon e em um atol do Pacífico. Fornos especiais incineram os venenos em temperaturas extremamente altas e, em seguida, destroem os resíduos perigosos.
No entanto, os cidadãos próximos às grandes instalações temiam os riscos de acidentes, as fumaças tóxicas e os riscos à saúde.
Em 1984, Craig Williams, um veterano do Vietnã que morava na zona rural de Kentucky, foi a uma reunião pública sobre os planos de construção de um incinerador. No caminho para casa, sua esposa disse: "Craig, alguém tem que fazer algo sobre isso".
Williams fez um forte lobby contra a incineração, organizando grupos civis em todo o país, enquanto lutava contra o Exército e testemunhava perante o Congresso. "Percebemos que não poderíamos prevalecer com um jantar uma vez por semana", disse ele em uma entrevista.
Lentamente, o Exército aprovou o que os grupos de cidadãos elogiaram como uma abordagem mais segura à neutralização, quando a água e outros agentes reagem com os produtos químicos mortais para desfazer as estruturas tóxicas.
Com o fim da Guerra Fria e da produção militar de armas químicas, o trabalho de eliminação se acelerou. A proibição tornou-se mundial em 1993 com um tratado conhecido como Convenção de Armas Químicas, que entrou em vigor em 1997.
O Exército construiu usinas de neutralização gigantescas em Maryland e Indiana. Hoje está construindo novas usinas perto de Pueblo, no Colorado, e Richmond, Kentucky, a um custo de US$ 10.600 milhões. A força de trabalho atualmente envolvida em Kentucky é de mais de 1.200 pessoas, e a planta deverá destruir 523 toneladas de gás mostarda e agentes nervosos, incluindo o sarin. O trabalho de destruição química está previsto para ser concluído até 2023.
Além do arsenal e das nove usinas de destruição há um grande dilema de limpeza, o que fazer com os cerca de 250 antigos lixões de armas químicas por todo o país. Ao contrário de Spring Valley, a maioria está em bases militares ou em locais remotos longe de áreas densamente povoadas.
No ano passado, o Conselho Nacional de Pesquisa publicou um extenso relatório chamando os antigos lixões de "um grande desafio". O custo de limpeza apenas dos cinco quilômetros de trincheiras com depósitos de armas no Alabama está estimado em vários bilhões de dólares.
O relatório detalhou diversas tecnologias portáteis, que vão desde monitores de ar e equipamentos de escavação até caminhões de demolição e câmaras de detonação, que poderiam acelerar a limpeza doméstica.
Siegel, do Centro de Vigilância Ambiental Pública, observou que a natureza móvel das tecnologias significava que poderiam desempenhar um papel importante na corrida para o desarmamento químico da Síria. O plano agora determina que seja concluído até julho.
"Se você quiser agir rapidamente, as decisões técnicas têm que ser feitas agora, enquanto os diplomatas estão trabalhando", disse ele. "É uma tarefa difícil e cara, mas as tecnologias existem. Embora a maioria das pessoas não saiba".
O estudo da experiência norte-americana e da tecnologia disponível facilitaria o desenvolvimento de uma estratégia para a destruição do arsenal sírio pelos diplomatas e funcionários do governo, acrescentou Siegel.


Reportagem de William J. Broad e David E. Sanger, para o The New York Times, reproduzido no UOL. Tradutor: Deborah Weinberg

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