O que pode ter levado os EUA a imaginar que era aceitável bisbilhotar e-mails, mensagens de computador e comunicações internas de aliados como o presidente mexicano, Enrique Peña Nieto, e a presidente brasileira, Dilma Rousseff?
As mais recentes revelações surgidas por intermédio de Edward Snowden e Glenn Greenwald são assombrosas. Os danos ao relacionamento entre EUA e Brasil e México superam em muito quaisquer possíveis vantagens obtidas.
Não é tanto uma questão de que "cavalheiros não abrem cartas alheias" --a afirmação do secretário de Estado norte-americano Henry Stimson ao fechar o setor de análise de códigos do Departamento de Estado, em 1929--, mas, sim, a imensa estupidez que a escala das escutas mostra e os danos que isso pode causar quando forem reveladas, como inevitavelmente serão.
Para começar, por que um agente de baixa patente dos serviços de inteligência dos EUA no Iraque, Bradley Manning, precisava de acesso a todas as interceptações e vídeos da inteligência norte-americana?
Por que Edward Snowden, prestador de serviços às agências de inteligência e funcionário de uma companhia privada, precisava saber o que Dilma Rousseff estava dizendo ao seu assessor de política externa, o professor Marco Aurélio Garcia, no Palácio do Planalto, ou quem Peña Nieto planejava indicar como ministro em seu novo governo, no México?
É verdade que os EUA espionaram figuras políticas brasileiras por anos, e bisbilhotar claramente é mais fácil quando se tem a capacidade de fazê-lo. Mas certamente é trabalho dos diplomatas norte-americanos descobrir essas coisas ao modo tradicional, e legal.
É a imensa escala da bisbilhotice pelas agências de inteligência dos EUA --um Estado dentro do Estado-- que escapou ao controle: nelas, limites não são reconhecidos. O senso comum não é aplicado. Não há consciência quanto às consequências. E por que os denunciantes de baixa patente que revelam os problemas são perseguidos e ninguém faz perguntas sobre quem criou esse imenso sistema, para começar?
A justificativa para tudo isso é a ameaça do terrorismo. Mas Dilma Rousseff é terrorista? Ou Lula? Ou Peña Nieto?
Há grandes questões em jogo na agenda bilateral entre o Brasil e os EUA. Um grande contrato militar para os norte-americanos. O apoio dos EUA a um assento permanente para o Brasil no Conselho de Segurança da ONU. Nenhuma das duas parece provável agora.
A estupidez tem consequências. Se a presidente Rousseff quiser mandar uma mensagem, pode bem cancelar sua visita oficial a Washington. Mas se ela levar a viagem adiante, deve colocar a espionagem norte-americana no topo de sua agenda pública com o presidente Obama.
Texto de Kenneth Maxwell, publicado na Folha de São Paulo. Traduzido por Paulo Migliacci.
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