segunda-feira, 30 de setembro de 2013

Casal cujo filho morreu de câncer aos 11 ajuda a criar casa de cuidado paliativo para crianças

Casal cujo filho morreu de câncer aos 11 ajuda a criar casa de cuidado paliativo para crianças

CLÁUDIA COLLUCCI
DE SÃO PAULO

Francesco Beira, filho do empresário Waldir Beira Júnior, 48, e da psicóloga Priscila Machado, 39, morreu em 2011, aos 11 anos, por consequência de um tumor cerebral. Na reta final, os pais decidiram cuidar dele em casa. Nesta terça (1º) será aberto em São Paulo um centro de cuidados paliativos para crianças, com a ajuda de recursos doados pela família.
Leia o depoimento do casal à Folha.
*
O Francesco nasceu uma criança normal, saudável. Quando tinha um ano e cinco meses, acordou um dia com o pescoço torto. Levamos ao pediatra e ele achou que podia ser torcicolo.
Dias depois, apresentou vômitos em jatos, levamos de novo ao médico e descobrimos um tumor que ocupava um quarto do seu cérebro.
O primeiro neurocirurgião não deu esperança. Aconselhou-nos a voltar para casa e esperar o fim. Inconformados, consultamos outro neuro, que indicou a cirurgia.
Após 14 horas de intervenção, foi possível remover toda a massa tumoral. Ele ficou com sequelas, precisou de traqueostomia para respirar e sonda para se alimentar. Também não falava e não movimentava o braço direito.
Iniciamos uma série de terapias, ele melhorou bastante, mas três meses depois uma nova ressonância apontou que o tumor tinha voltado quase do mesmo tamanho. Outra cirurgia foi feita.
Ao todo, foram sete recidivas do câncer, seguidas de cirurgias, químio por nove anos e 30 sessões de radioterapia.

ATIVIDADES

Mesmo assim, Francesco era uma criança feliz. Com muita físio e outras terapias, conseguiu desenvolver bem a coordenação motora. Nadava, pintava, ia para a escola. Viajou com a gente para a Europa, para a Disney.
Arrastava um pouco a perna, tinha a boquinha um pouco torta, mas brincava como qualquer criança.
Em 2009, ele teve a recidiva no lugar mais nobre do cérebro, no tronco cerebral.
Continuamos a químio, mas não havia mais nada a fazer. Foi necessário colocar uma válvula intracraniana.
Ele começou a apresentar uma decadência física grande, não andava, não fazia xixi, cocô.
O neuro decidiu fazer uma cirurgia para melhorar a qualidade de vida, tirando um pouco da massa tumoral. Era uma cirurgia arriscada, sabíamos que o caso era incurável, mas confiávamos que ele teria mais qualidade de vida.
E, dentro daquela situação, ele teve. Já na UTI recuperou alguns dos estímulos.
Intensificamos as terapias [além do oncologista e de uma clínica-geral, fisioterapeutas, fonouaudióloga, terapeuta ocupacional e psicóloga cuidavam do menino], ele teve uma melhora visível.
Mas a saúde dele piorou em abril de 2010. Teve um sangramento no cérebro. Passou a usar cadeira de rodas, não falava, respirava graças a uma traqueostomia.
Intensificamos as sessões de reabilitação, mas ele não respondia. Para não estressá-lo, decidimos manter só as terapias necessárias para a qualidade de vida. Dispensamos uma fonoaudióloga. Meu filho não iria mais falar. Mantivemos a fisioterapeuta. Não queríamos vê-lo atrofiar.

PASSEIOS

Decidimos que ele teria mais prazer. Bloqueávamos um dia da semana para passear. Na cadeira de rodas, com o aparelho de respiração, enfermeira, íamos a museus, parques.
Ele foi ficando pior. Para a comunicação, usávamos uma folhinha com as letras, e ele ia apontado para cada uma com o dedo da mão esquerda até formar as palavras.
Tinha dificuldade para dormir e a gente não descobria por quê. Até que ele disse que tinha medo de passar mais um Natal no hospital. Já tinha passado três internado. Prometemos que ele passaria aquele Natal em casa.
No dia 17 de dezembro, ele entrou em coma e tivemos que interná-lo às pressas. Ele saiu do coma, só mexia os olhos. Conseguimos levá-lo para casa na manhã do dia 25. Cumprimos a promessa, ele passou o Natal em família. Mas, no dia 27, o aniversário dele, já tinha voltado para a UTI do hospital.

CONFORTO

No início de janeiro de 2011, cientes de que a medicina não podia fazer mais nada por ele, o trouxemos para casa. Ele precisava dormir bem, longe do barulho incessante, da luz forte e das manipulações [exames, medição de pressão, aspiração] da UTI. Enquanto víamos perspectiva de cura, o hospital era a tábua de salvação. Depois, passou a ser um fardo.
Queríamos que ele tivesse paz e montamos uma UTI no quarto dele. Concentrávamos as manipulações em um determinado horário e ele tinha horas de tranquilidade.
Nessa reta final, ele só mexia o olho direito, no sentido vertical. Um olhar para cima era sim, e para baixo, não.
Ele esteve lúcido o tempo todo, as irmãs [Giovanna, hoje com 15 anos, e Chiara, 5] iam brincar com ele. Ele colecionava carrinhos e, da cama, continuamos comprando brinquedos pela internet.
Montamos uma rotina para dar paz a ele até o final. Ouvíamos música. Deitávamos com ele na cama e ficávamos abraçados, beijando-o. Começamos a lembrar os bons momentos juntos.
Na semana da sua partida, numa terça-feira, ele entrou em coma. Não acordou mais. No sábado, teve morte cerebral. No domingo, acordamos com o alarme das máquinas. O monitor mostrava os batimentos cardíacos caindo. Segurei [Waldir] uma mãozinha dele e a Giovanna pegou a outra. Às 10h45, o coração parou. Era 13 de fevereiro de 2011. Ele tinha 11 anos.
Foi uma experiência intensa. Pensamos nas mães cujos filhos estão morrendo sozinhos na UTI, olhando para o teto. Sem a companha dos pais, dos irmãos, justamente no momento em que um mais precisa do outro.
Foi pensando na importância desse cuidado, do amor e carinho no fim da vida, que decidimos apoiar financeiramente a construção do hospice. Usamos os recursos da conta do Francesco.
Oferecer a uma outra criança tudo aquilo que o nosso filho teve de bom no fim da vida era o melhor que tínhamos a fazer.

Reprodução da Folha de São Paulo

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