sábado, 28 de setembro de 2013

Ataque terrorista no Quênia é indicador da ascensão política do país

O ataque terrorista ao Westgate Mall, no centro desta capital cada vez mais próspera – ao menos para alguns–, é um indicador cruelmente irônico da ascensão do Quênia a uma potência regional séria, um centro para negócios internacionais e diplomacia e um alvo para radicais islâmicos internacionais armados.
Mais do que os atentados a bomba de 1998 às embaixadas americanas aqui e em Dar-es-Salam, Tanzânia, o ataque mortal ao shopping center – um cerco de quatro dias que teve início no sábado e resultou em pelo menos 60 mortos– é um lembrete de que o Quênia atingiu a maioridade. Isso anuncia um período difícil para um país que trava uma guerra ao mesmo tempo além de suas fronteiras e muito perto de casa.
 
Quase dois anos atrás, os militares quenianos e as milícias aliadas somalis realizaram uma intervenção na Somália, com pouca consideração dos riscos e consequências para ambos os países. Os oficiais militares quenianos estavam convencidos de que seria uma campanha rápida, mas prontamente se depararam com dificuldades no terreno não familiar, enquanto seus aliados somalis brigavam entre si.

O Al Shabab, o grupo radical islâmico somali que reivindicou a responsabilidade pelo ataque ao shopping, passou, rápida e previsivelmente, a uma guerra de guerrilha. Dois anos depois, o Quênia (atualmente parte da força da União Africana na Somália) e seus aliados mantêm Kismayo, o principal porto no sul da Somália, mas o Al Shabab continua controlando grande parte do interior e tem feito apelos nacionalistas à população local contra a "ocupação estrangeira". Além disso, o Al Shabab provocou estrategicamente respostas de segurança de mão pesada no Quênia para ajudar a radicalizar e recrutar os quenianos.

O ataque ao shopping no fim de semana contradisse o senso comum a respeito do Al Shabab – de que está dividido e em declínio– e desloca o ônus ao Quênia para demonstrar sua união e determinação.
 
De fato, a complexidade, planejamento e momento do ataque sugerem um inimigo formidável e calculista, capaz de projetar influência muito além de sua base somali.
Além da Somália, o Al Shabab está associado a outros grupos radicais armados na África e na Península Árabe. Ele desenvolveu uma rede de apoio clandestina entre as populações muçulmanas, incluindo somalis, ao longo da costa queniana.

Como o noticiário já sugere, o ataque foi produto de meses de planejamento, para assegurar um impacto tanto imediato quanto horrível, assim como um longo impasse para manter a atenção da mídia. O ataque quase certamente contou com trabalho longo e paciente de células e redes locais.
 
Os comentaristas estão fazendo uma pergunta tão óbvia quanto intrincada: o que os agressores esperavam conseguir?
 
Infelizmente para o Quênia, não há resposta curta. O Al Shabab pode por um lado alegar ter obtido uma grande vitória nacionalista contra a intervenção do Quênia na Somália, e por outro de ter promovido uma jihad contra os mais abstratos interesses do Ocidente e "sionistas". (O Westgate Mall, popular entre estrangeiros, é de propriedade de israelenses, e o Quênia é um país amigo de Israel.) Enquanto o impasse no shopping se agravava, as mensagens públicas do Al Shabab se tornavam ainda mais estridentes. Seu porta-voz militar, que atende pelo nome de Al Musab, até mesmo disse em uma transmissão de rádio que os agressores eram mujahedeen, ou guerreiros santos.

Diferente do último grande ataque terrorista em Nairóbi, em 1998, este visava a estabilidade interna do Quênia.

Ele inevitavelmente semeará suspeitas no Quênia, um país ainda em carne viva após uma recente eleição divisora. O presidente Uhuru Kenyatta e o vice-presidente William Ruto enfrentam acusações perante o Tribunal Penal Internacional em Haia por seu suposto envolvimento na violência mortal que ocorreu após a eleição de 2007. Um novo sistema de descentralização do poder trouxe incerteza e conflito a respeito dos respectivos papéis e responsabilidades do governo central e dos governos locais.
 
Kenyatta pediu louvavelmente uma união nacional, reconhecendo que uma repressão ampla e draconiana contra a população somali no Quênia, ou aos muçulmanos quenianos em geral, só radicalizaria ainda mais os indivíduos e aumentaria a ameaça de terrorismo doméstico. Apesar do aumento do preconceito étnico, até o momento a polícia e os militares têm relativamente se contido – ocorreram prisões em Eastleigh, um bairro predominantemente somali daqui, mas nada como as amplas detenções e molestamento de somalis no final do ano passado e no início deste ano. O governo parece ter reconhecido que quaisquer operações de contraterrorismo precisarão ser implantadas e monitoradas pelo governo e por observadores neutros.
 
Nairóbi é uma cidade robusta e, longe do shopping, grande parte da vida cotidiana está retornando ao normal. Mas à medida que a enormidade do ataque é entendida, recriminações contra inimigos internos e externos, reais ou percebidos, será inevitável.
 
(Cedric Barnes é diretor do projeto Chifre da África do Grupo Internacional de Crises).

Texto de Cedric Barnes, para o International Herald Tribune, reproduzido no UOL. Tradutor: George El Khouri Andolfato

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