Enquanto pessoa física, sinto um certo prazer em ver a Justiça brasileira finalmente aceitar denúncia contra cinco militares acusados de ter assassinado e ocultado o cadáver do deputado Rubens Paiva, em 1971. Com um pouco mais de reflexão, porém, o contentamento dá lugar à decepção.
Durante décadas, desperdiçamos sucessivas oportunidades de promover um acerto de contas com a história, como fizeram diversos países que passaram por situações semelhantes. Um julgamento agora, mais de 40 anos depois dos fatos, será no máximo um arremedo de justiça. Eventuais sentenças de prisão até podem oferecer satisfação psicológica para os envolvidos, particularmente os familiares de Paiva e de outros desaparecidos --o que não é sem valor--, mas já não atenderão aos objetivos racionais da sanção penal.
Numa perspectiva mais consequencialista, trancafiamos criminosos na cadeia para impedir fisicamente que repitam suas malfeitorias e para dissuadir outras pessoas de imitá-los. Quando o tempo transcorrido entre delito e castigo é muito grande, nenhum desses propósitos se aplica mais aos réus. Eles não poderiam sair por aí perseguindo e torturando opositores do regime nem que quisessem, porque a história seguiu seu curso e já não há mais nem regime a defender nem opositores a ameaçá-lo. Também parecem irrisórias as chances de alguém emplacar aqui uma nova ditadura militar.
Mesmo para os que creem em noções mais metafísicas de justiça, é complicado defender punições com mais de 40 anos de atraso. Elas já não atingem os autores dos delitos, mas pessoas totalmente distintas. A essa altura, todos os átomos que compunham o criminoso foram reciclados. As ideias também, espera-se.
A constatação, algo sombria, é que nós, como sociedade, fracassamos miseravelmente em punir torturadores e, assim, dizer que não toleramos arbítrios cometidos em nosso nome.
Texto de Helio Schwartsman na Folha de São Paulo.
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