A Copa que começa hoje será um barato. Estou certo de que vamos curti-la. Não somos um país rico, mas podemos dar uma festa em algo que adoramos, o futebol.
Há o risco de que os estádios não sejam bem explorados após o evento. Contudo, nem prejuízo isso deve dar. Um mês de exposição mediática mundial para bilhões de pessoas paga com sobra os custos dos investimentos feitos para uso quase exclusivo na Copa. Exemplo disso foram as imagens da chegada da seleção alemã --depois de tomar avião, ônibus e balsa-- na Vila de Santo André no litoral baiano.
Então, por que nos últimos meses houve tanto mau humor com a Copa? Meu palpite é que, para além da tentativa de atingir o governo, há no Brasil uma má vontade contra os investimentos públicos. Parece que somos incapazes de empreendê-los. O diabo é que há algum fundamento nisso. O país ficou décadas sem grandes programas de investimento. Retomá-los não é tarefa simples.
O PAC, o Minha Casa Minha Vida, o PIL (Programa de Investimento em Logística) e os grandes eventos internacionais só vão encontrar um paralelo na década de 1970, com o 2º PND. Em ambiente democrático, o único caso parecido é o Plano de Metas nos anos 1950.
Mesmo assim, vale lembrar que no período recente foi montada uma ampla rede de controle: Ministérios Públicos estaduais e federal, TCU, órgãos ambientais etc. Isso é bom e necessário. A democracia brasileira vai encontrar um balanço entre as necessidades de fiscalizar e de fazer as coisas, porém, nos últimos anos, há exageros no poder de veto que atrapalham sobremaneira o andamento das obras. Esse desequilíbrio ajuda a reforçar a sensação regressiva de que a corrupção (que existe, claro) é a razão precípua dos investimentos públicos.
Outra dificuldade é de recursos humanos. Mais de duas décadas de escassez de investimentos fizeram algumas gerações de engenheiros virarem suco (como na bela e triste metáfora que nos 80 inspirou o nome de uma lanchonete na Av. Paulista), ou buscarem nas finanças uma atividade bem mais rentável.
Tal descontinuidade fez o país perder ou deixar de formar competência de engenharia de projeto em várias áreas. Em estados e municípios menores, mesmo existindo recursos federais ou crédito, é comum que os investimentos não ocorram por incapacidade de elaborar projetos, como em saneamento e mobilidade. Mesmo os investimentos privados enfrentam problemas. Boa parte dos hotéis previstos será concluída após a Copa.
É verdade que o desejo de recuperar o tempo perdido fez os governos exagerarem nas pretensões, gastando energia em projetos que não foram para frente, como o VLT de Brasília e o monotrilho de Manaus, que tinham sido incluídos na matriz de responsabilidades para a preparação da Copa.
Tendo a acreditar que o excesso de desejo também levou o governo a aceitar sem negociação o tal "padrão Fifa" para todos os estádios. O governo federal e o BNDES limitaram os financiamentos a R$ 400 milhões por arena, numa tentativa de induzir o comedimento dos projetos, porém o país poderia ter recusado algumas exigências. Quem tentou comprar ingressos pela internet viu que o tal rigor de excelência não vale para a própria entidade.
Mas também é certo que muito foi feito. Os aeroportos de Guarulhos, Campinas, Brasília e Natal estão entre os casos mais visíveis. Alguns projetos ficarão prontos depois do evento, o que não chega a ser um grande problema.
Tudo isso faz parte do ônus de retomar o investimento público. Discutir suas dificuldades é fundamental, mas sem criar uma convenção contra ele. Torço para que depois da euforia pela escolha para sediar o evento e do mau humor dos últimos meses, a constatação de que a Copa nos terá trazido um imenso prazer venha a contribuir para um debate mais equilibrado.
Isso será relevante não só para propor soluções que façam frente às dificuldades do investimento público como também para discutir a apropriação que cada cidade fará dos estádios. Será preciso criatividade, bem como avaliar a experiência internacional, para que eles não fiquem sem uso ou restritos ao futebol duas ou três vezes na semana, além de alguns shows musicais.
Por hoje, quero fazer como grande parte do mundo, que voltará sua atenção para a zona leste de São Paulo. Tem como não achar isso bom?
Texto de Marcelo Miterhof, publicado na Folha de São Paulo.
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