quarta-feira, 11 de junho de 2014

As eleições do descontentamento


Estas serão as eleições do descontentamento. O último Datafolha, em que todos os principais candidatos caíram, é apenas mais um sinal disso.
O marco zero da insatisfação foram as chamadas Jornadas de Junho. Sem que ninguém esperasse, as ruas foram tomadas por multidões que, essencialmente, estavam reclamando da desigualdade social.
Os conservadores tentaram roubar o sentido dos protestos e atribuí-lo à “corrupção”, mas não conseguiram. Na raiz das manifestações estava a questão da desigualdade.
O paradoxo aí é que os protestos vieram exatamente na gestão do partido que mais se empenhou em reduzir a iniquidade.
Todos se surpreenderam com o vigor das manifestações, mas ninguém mais que o PT, por entender que tinha o controle dos movimentos sociais –  CUT, UNE, MST etc.
O Brasil, e isto é positivo, como que se confrontou com a dura realidade. Fingíamos que não éramos racistas, que a desigualdade social não era vergonhosa e que não continuava a haver excluídos em quantidade simplesmente intolerável.
Toda a classe política foi posta em descrédito nas Jornadas de Junho, e era previsível que isso tivesse efeito notável nas eleições de 2014.
Passado um ano, o que efetivamente mudou? Qual a perspectiva de mudar um sistema político carcomido?
Ah, sim, leva tempo. Mas a paciência dos brasileiros estava, e está, esgotada.
Como disse Guy Fawkes para o Rei Jaime, quando este lhe perguntou por que ele queria explodir todo o Parlamento inglês em 1605, situações desesperadoras clamam medidas desesperadas.
A resposta mais notável de Dilma foi o Mais Médicos: é muito, mas não o suficiente para sinalizar mudanças efetivas.
Para complicar ainda mais o quadro, a Copa trouxe desdobramentos pouco animadores para os que querem uma sociedade mais justa.
A remoção de desvalidos – o governo admite cerca de 25 000 casos – foi um desses desdobramentos. A truculência da polícia ao reprimir manifestações contra a Copa, outro.
É verdade: a culpa dos exageros da polícia é dos governos estaduais, sobretudo. Mas é inevitável que o governo federal também se desgaste, ainda mais quando tem alianças com governadores que não hesitaram em colocar a polícia para bater nos manifestantes, como é o caso do Rio de Janeiro.
A capacidade do PT de responder aos gritos das ruas por mais avanço social ficou em grande parte comprometida por todos os compromissos assumidos em nome da governabilidade.
Um símbolo disso é a nova aliança em São Paulo com Maluf: saíram da foto Lula e Haddad, e entrou Padilha.
Os demais partidos reagiram muito pior que o PT: pareceram sequer entender o que as ruas estavam dizendo.
Aécio, o candidato mais patético, tomou a direção oposta: prometeu medidas impopulares. Isso quer dizer que dele você só pode esperar mais desigualdade.
Eduardo Campos parece ter entendido tudo errado. Viu nos protestos a chance de se eleger e rompeu com o governo, mas esqueceu que para ter alguma chance era preciso ter um projeto que captasse o espírito do tempo.
Não. Ele parece igualzinho – até nas roupas e no palavreado – a Aécio. Seu empenho está muito mais em ser aceito pelo 1% do que em se conectar com os 99%.
Numa amostra espetacular disso, ele fez questão de dizer, sem que sequer lhe fosse perguntado, que é contra a regulação da mídia, numa atitude que só agrada às quatro ou cinco famílias que monopolizam o mercado jornalístico nacional.
A esta altura, Eduardo Campos corre o risco de terminar atrás do Pastor Everaldo, o que liquidaria suas ambições políticas.
No terreno de Campos está agora uma questão que pode mexer as coisas. Marina não foi alcançada pela raiva generalizada da classe política que emergiu das Jornadas de Junho.
E se Eduardo Campos abrir espaço para ela? Isso pode chacoalhar as eleições e demandar respostas dos demais partidos que pleiteiam o Planalto.
A sociedade está pedindo menos desigualdade, claramente. O futuro  político pertence aos partidos que compreenderem isso – e agirem.


Reprodução do Diário do Centro do Mundo

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