Não se dizia mídia, mas imprensa. A televisão estava engatinhando. Os jornais impressos formavam a opinião dos que sabiam ler e escrever. O rádio atingia e tentava manipular os milhões de analfabetos. Esse era o Brasil de 1954. Nessa época, a mídia, sob a batuta de Carlos Lacerda, criou uma campanha original: “Nunca houve tanta corrupção neste país”. E perseguiu Getúlio Vargas sem parar. Só não contava com o elevado código de honra do gaúcho, que se matou para não ser humilhado. Carlos Lacerda e a imprensa mataram Getúlio. Sim, Vargas foi assassinado. Lacerda implantou no Brasil, antes de Joaquim Barbosa, uma espécie de teoria do domínio do fato. Getúlio teria de saber de tudo, até do que não autorizaria, como o amador atentado da rua Tonelero, que feriu no pé seu principal inimigo.
Perguntam-me se o filme de João Jardim sobre Getúlio é bom. Apesar de o diretor ter copiado a estrutura narrativa de meu livro, sem me citar, digo que o filme é bastante bom. Ressalve-se a falta de sotaque gaúcho de Tony Ramos, ou certo sotaque carioca em alguns momentos. O filme toca no essencial: Getúlio foi massacrado pela imprensa golpista. Em 1964, Jango foi a segunda vítima. Lá estavam novamente a mídia, Carlos Lacerda, o conservadorismo, a UDN e o golpismo contra reformadores sociais. Lacerda e a mídia “suicidaram” Getúlio, derrubaram Jango e o levaram a morrer no exílio. Se é que ele não foi mesmo assassinado. Certa vontade de liquidar presidentes com infâmias ainda não acabou. Agora, viceja também na internet.
Assume formas extraordinárias: a falsa capa da Forbes dando Lula entre os maiores milionários brasileiros. O filho de Lula como sócio da Friboi. Em 1964, para desqualificar um presidente, a mídia o chamava de bêbado, analfabeto e, como Jango tinha todos os dedos das mãos, manco. Era preciso também um defeito físico. Jango tinha um problema na perna esquerda. A retórica não mudou. A mídia sempre adorou praticar bullying.
O público-alvo desse tipo de estratégia discursiva era a classe média urbana. Contra o suposto populismo trabalhista, jogava-se a carta do classemedismo udenista. Ficava assim: a direita era honesta; a esquerda, corrupta. Estaria no DNA.
Por que a mídia brasileira sempre foi tão conservadora? Por que é tão conservadora? Porque representa a sua classe. Em geral, nasce, cresce e vive à sombra do poder, fazendo os poderosos e recebendo deles as recompensas. Getúlio e Jango tentaram tocar outra música. No futebol, Dunga tentou limitar os poderes da Rede Globo. Ficou marcado. Para sobreviver, teria de ganhar. Felipão é mais sinuoso. Tem um título mundial no currículo e bajula a Rede Globo. Não será golpeado. Salvo se perder.
Jango e Getúlio foram golpeados porque estavam ganhando. Só que pretendiam distribuir o prêmio aos que normalmente não participavam do rateio das conquistas conjuntas.
Os militares, apoiados pela mídia, restabeleceram a “ordem natural” das coisas. Apertaram o cinto da plebe. Propiciaram um rápido milagre econômico para a fiel classe média.
Deram aos ricos o que eles julgavam ser deles: todo o poder.
A mídia aplaudiu. Uau!
Reprodução do Blog do Juremir Machado da Silva.
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