terça-feira, 10 de junho de 2014

Nova pílula garante sexo mais seguro


Em 1960, a Agência de Alimentos e Medicamentos (FDA, na sigla em inglês) dos Estados Unidos fez algo surpreendente: aprovou um medicamento contra a infertilidade para o uso oposto: o controle da natalidade. Esse medicamento -logo conhecido simplesmente como "a pílula"- desencadeou a revolução sexual.
Isso, porém, não se deu da noite para o dia. No início, os médicos resistiram a receitar a pílula para mulheres solteiras. As mulheres relutavam em portar provas de que pretendiam fazer sexo. Feministas pioneiras rebateram as calúnias e defenderam o uso da pílula. Algumas das previsões dos moralistas se confirmaram: os índices de gonorreia entre mulheres subiram e efeitos colaterais como coágulos no sangue surgiram. Mas a revolução persistiu.
Para os homens gays -sem mencionar milhões de africanos, usuários de drogas e outros grupos de risco para o HIV-, o mundo está novamente em um momento crucial. A FDA, que aprovou uma droga chamada Truvada para o tratamento contra o HIV em 2004, passou a aprová-la para a prevenção, segundo o método de profilaxia pré-exposição, ou PrEP (sigla em inglês).
Previsivelmente, isso gerou fortes reações contrárias. Alguns homens que usam o Truvada, em vez de preservativos, são chamados de "prostitutos do Truvada".
Oponentes disseram que os altos índices de sífilis e gonorreia entre homens gays iriam piorar.
Mas, mesmo que não se torne aceito pela sociedade, o Truvada será parte de uma verdade maior que surge no campo da medicina especializada em Aids: medicamentos antirretrovirais modernos poderão ser a chave para finalmente reduzir a epidemia.
Em doses profiláticas relativamente pequenas, eles podem proteger pessoas saudáveis contra o HIV. Em doses do tratamento com terapia tripla ("coquetéis" dos três medicamentos), podem fazer as pessoas infectadas ficarem virtualmente livres do HIV.
As evidências de como eles funcionam continuam se acumulando. Amostras de sangue de um estudo do iPrEx em 2010 mostrou que homens gays que tomavam Truvada sete dias por semana reduziram suas chances de infecção em 99%. Um teste em 2011 com casais heterossexuais, em que um só parceiro estava infectado, mostrou que, quando os infectados tomavam seus coquetéis de terapia tripla regularmente, a chance de contaminar seus parceiros era 96% menor.
E, em uma reviravolta surpreendente, foram divulgados em março os resultados preliminares de um estudo envolvendo 767 casais gays e héteros que não usavam preservativos e cujos exames de sangue confirmaram que os parceiros infectados estavam tomando medicamentos. Os casais haviam feito sexo cerca de 30.400 vezes desde o início do estudo, há dois anos, e o HIV não foi transmitido nem uma vez.
Proteção de 96% a 100% é melhor até do que as vacinas mais avançadas. No entanto, certas vacinas protegem durante muitos anos, enquanto as pílulas têm de ser ingeridas diariamente. Algumas mulheres achavam isso complicado com a pílula anticoncepcional, então o mercado nesse setor lançou injeções de efeito duradouro, implantes, DIUs e pílulas "do dia seguinte". O campo do HIV já está indo nessa direção.
Um levantamento realizado pela Universidade de Nova York junto a 200 homens gays descobriu que, se existisse uma dose de Truvada com efeito durante três meses, 79% deles a prefeririam em vez de comprimidos diários.
Até Ruanda está sentindo o efeito. Graças a doadores, 87% dos ruandenses estão fazendo a terapia tripla da qual precisam. As novas infecções caíram 60%.
Ainda há 2,3 milhões de novas infecções por ano no mundo inteiro. O uso disseminado dos medicamentos poderia combater isso, mas obstáculos financeiros prejudicam os países pobres, sobretudo na África.
Atualmente, 10 milhões de pessoas infectadas, de um total mundial de 35 milhões, fazem a terapia tripla. Doadores lutam para aumentar esse número. Mas, para acabar com a epidemia, todos os infectados precisariam da terapia -e provavelmente também precisariam ser incentivados com pequenos pagamentos em dinheiro para tomar suas pílulas diariamente. Ainda assim, o PrEP para a África nem sequer está em discussão.


Texto de Donald G. McNeil Jr., para o The New York Times, reproduzido na Folha de São Paulo

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