sábado, 14 de junho de 2014

Autora narra saga para fugir de rastreamento pela internet

Autora narra saga para fugir de rastreamento pela internet
Jornalista usou serviços alternativos ao Google e bloqueadores de celular
É muito comum que, depois de procurar por algum produto em uma loja na web, anúncios relacionados àquele item comecem a "perseguir" insistentemente o usuário em outros sites --trata-se de uma técnica chamada "retargeting", em que empresas usam o histórico de navegação do consumidor para fazer propaganda direcionada.
Esse é um exemplo aparentemente simples e inofensivo de como companhias podem hoje monitorar potenciais clientes para fazer mais vendas. Mas e se, com base no histórico de buscas, na localização e nos padrões de rotina deles e no perfil socioeconômico indicado pelo conjunto desses dados, empresas oferecerem preços diferentes para cada um deles?
Para a jornalista Julia Angwin, ser financeiramente manipulado é um dos efeitos colaterais da era em que qualquer pessoa pode ser facilmente rastreada.
Há outros: você sempre pode ser encontrado, pode ser vigiado na sua casa, não pode mais guardar segredos e pode querer consumir apenas os mesmos produtos.
Angwin é a autora do livro "Dragnet Nation (a nação da rede de informações, em tradução livre)", ainda sem tradução no Brasil, em que relata suas tentativas de fugir de qualquer tipo de rastreamento ou de armazenamento de informações pessoais.
Por um ano, ela parou de usar o Google, trocou o Gmail por um sistema de e-mail de um grupo anticapitalista, largou redes sociais, passou a fornecer dados incorretos em formulários e adotou uma espécie de bolsa que bloqueia o sinal do celular.
Não se trata de uma tarefa fácil: usando uma ferramenta do próprio Google, ela descobriu que fazia 26 mil buscas no site por mês. Os dados armazenados eram mais íntimos do que um diário. "Eram uma janela para os meus pensamentos todos os dias."
A ferramenta de buscas foi trocada por uma chamada DuckDuckGo, que não retém qualquer dado do internauta --o site não é tão intuitivo quanto o Google, até por não saber a localização do internauta ou montar um histórico dele, mas funciona.
Uma das passagens mais interessantes do livro é a saga de Angwin para criar uma personagem para suas compras: em vez de passar seu nome, ela passou a preencher formulários e passar dados de cartão de pagamento com o nome de Ida Tarbell, uma importante repórter investigativa da virada do século 20.
A ideia era não permitir que as companhias conseguissem traçar um perfil de quem estava fazendo a compra, ou seja, "poluir" a visão dos agregadores de dados.

CULTURA DO MEDO

A jornalista diz que queria se defender do rastreamento indiscriminado adotado por empresas e governos, que segundo ela pode levar as pessoas a evitar a associação com certos indivíduos ou ideias e criar uma "cultura de medo". "Temo que o monitoramento indiscriminado possa dar condições para a criação de um estado totalitário de vigilância", afirma.
O tema ganhou força em 2013, quando documentos vazados por Edward Snowden, ex-técnico da NSA (Agência Nacional de Segurança americana), revelaram que o governo dos Estados Unidos estava registrando dados de ligações telefônicas e de acessos à internet de cidadãos. E que a espionagem atingiu órgãos como a ONU e governantes como a presidente Dilma.
A jornalista começou sua jornada antes dessas revelações e detalha que a NSA não está sozinha. As pessoas estão sendo monitoradas de diversas formas: de governos que rastreiam cidadãos sem respaldo jurídico a operadoras de telefonia que vendem informações sobre a localização de seus usuários, passando por varejistas que fazem reconhecimento facial.
Além de ser uma espécie de guia para quem quer embarcar na difícil missão de fugir dessa rede de informações, na qual a autora não foi muito bem-sucedida, o livro traça um cenário detalhado de como os consumidores são vigiados hoje e as possíveis implicações disso.

"DRAGNET NATION --A QUEST FOR PRIVACY, SECURITY, AND FREEDOM IN A WORLD OF RELENTLESS SURVEILLANCE"
AUTORA Julia Angwin
EDITORA Times Books
QUANTO a partir de US$ 12,99 (R$ 29; 304 págs.)
CLASSIFICAÇÃO Ótimo


Reprodução da Folha de São Paulo

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