domingo, 8 de junho de 2014

Entre 1998 e 1999


O pleito de 2014 fica cada dia mais parecido com o de 1998. Como na reeleição de Fernando Henrique Cardoso, entra-se em junho com um mau humor generalizado no país, que aparece nas pesquisas sob a forma de desejo de mudança. Ao mesmo tempo, permanece na memória da população que as coisas melhoraram em relação ao que eram antes. Naquela época, pela estabilização de preços do Plano Real. Agora, pelo aumento de emprego e renda que houve no ciclo lulista.
Da mesma maneira que FHC fez naquela ocasião, a estratégia discursiva da candidata a permanecer no cargo deverá ser, quando começar o horário eleitoral, a de atribuir os problemas atuais a uma situação internacional fora de seu controle. Apontará, também, que mudar de timoneiro no meio da travessia pode piorar o quadro.
A favor de tal argumentação está o fato de que Aécio e Campos são pouco conhecidos, causando dúvidas sobre que tipo de alternativa representariam. Do mesmo modo, 16 anos atrás, temia-se que Lula, à frente de uma corrente que nunca havia estado no poder, pudesse acentuar a instabilidade que vinha de fora.
A estratégia de continuidade tem boa chance de vingar, apesar da queda na intenção de voto em Dilma registrada pelo Datafolha desta sexta (6). Dado o realinhamento que vem de 2006, por mais desgostoso, o eleitor insatisfeito só vai mudar em dois casos. No primeiro, se estiver convencido de que há alternativa melhor, o que é raro, pois tal atitude implica um conhecimento da política que se dá apenas em ocasiões especiais de alta participação. No segundo, se estiver com tanta raiva que se dispõe a correr o risco do desconhecido para punir o governante que o decepcionou.
Foi a última opção que ocorreu em 2002. Apesar de Lula ter procurado suavizar a própria imagem para diminuir o medo, o elemento principal da vitória petista foi o desejo guardado desde 1999, por parte do eleitorado, de vingar-se de um mandatário que prometera conduzir o Brasil para fora da crise e o mergulhou na recessão.
Para a oposição, isso induz a rezar para que, nos próximos quatro meses, a economia piore rapidamente, produzindo já o desemprego que acabará por vir se o ritmo anoréxico de crescimento persistir. Do ângulo das forças que apoiam Dilma, o risco maior, na hipótese de tudo permanecer como em 1998, é ganhar e se repetir em 2015 a debacle de 1999, cujas consequências seriam de longa duração.
Para evitar tal desfecho, é preciso construir uma alternativa pública forte e consistente à única proposta até agora na mesa para sair do marasmo: fazer um ajuste recessivo que crie espaço para "reformas" pró-mercado e, assim, destravar os financiamentos retidos por desconfiança do "intervencionismo" estatal.


Texto de André Singer, na Folha de São Paulo. Grifo do blogueiro. Fazer um ajuste recessivo é parte da receita do presidenciável Aécio Neves.

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