Milícias fogem do controle na Ucrânia
Cresce violência entre grupos no leste do país
Por ANDREW ROTH
KARLOVKA, Ucrânia - Num bosque isolado na parte oriental da Ucrânia, um grupo de 120 homens que se autodenominam o Batalhão de Donbass ocupou um acampamento de férias de crianças para se preparar para a guerra. O objetivo era transformar um grupo díspar de maquinistas, corretores de ações e estudantes em combatentes armados que pudessem enfrentar em pé de igualdade os militantes anti-Kiev que se espalharam pelo leste do país nos últimos dois meses.
"Será que ainda não ficou claro que o único jeito de liderar é ter uma arma?", disse em meados de maio Sergey, um jovem desajeitado de 25 anos que empunhava um fuzil de assalto AK-47 pela primeira vez. Sergey tinha acabado de deixar seu trabalho como jornalista no centro de informações pró-revolução em Kiev, a capital, para vir ao leste do país e treinar sob a liderança de vários veteranos do Exército, alguns dos quais tinham servido na invasão soviética do Afeganistão.
Algo que antes parecia ser um elemento secundário na campanha da Ucrânia contra as milícias rebeldes chegou ao centro das atenções em 23 de maio, quando um tiroteio entre o Batalhão de Donbass e uma milícia pró-russa deixou pelo menos sete mortos ao sul de Donetsk, a maior cidade da região. Não há consenso em torno das origens do choque. Antes de os disparos terminarem, Semyon Semenchenko, o líder do batalhão, afirmou que seus combatentes foram emboscados perto de um posto de checagem rebelde em Karlovka, vilarejo a 45 minutos de carro de Donetsk. Mas moradores locais e combatentes pró-Rússia disseram que Semchenko comandou o ataque ao posto e se viu cercado quando chegaram reforços inimigos.
A batalha mostrou o potencial devastador de violência entre as milícias, algumas delas contando com pouco treino formal, que pode continuar mesmo que cessem os enfrentamentos entre o Exército ucraniano e os rebeldes. O Batalhão de Donbass tinha assistido a pouca ação até então e era conhecido por ter atacado uma delegacia de polícia na cidadezinha de Velyka Novosilka. Mas os níveis de violência subiram recentemente, e centenas de partidários de Kiev entraram para a recém-restaurada Guarda Nacional, unidades militares formadas às pressas com combatentes inexperientes que se descobrem na linha de frente do conflito.
A presença dessas novas unidades em muitos casos alimenta o sentimento de revolta no leste do país. Em 11 de maio, o grupo foi acusado de matar a tiros vários ativistas pró-Rússia desarmados. O episódio reforçou algo que é dito comumente nesta região: que a parte ocidental da Ucrânia está enviando assassinos pagos para subjugar a parte oriental.
Ainda não se sabe como o Batalhão de Donbass é financiado. Semenchenko, 40, afirmou que o grupo não tem vínculos com o governo e que sobrevive de doações. Indagado sobre o perigo de o conflito se alastrar, à medida que mais milícias adquirem armas e se organizam, Semenchenko disse que governo perdeu controle sobre o próprio país.
"Melhor uma guerra civil do que aquilo que eles têm à nossa espera."
Após o enfrentamento em Karlovka, o corpo de um homem grisalho, usando colete à prova de balas, estava deitado atrás de um poste de concreto. Nas proximidades, ainda ardiam as brasas de um restaurante incendiado. Combatentes pró-Rússia disseram que o restaurante foi queimado depois de combatentes pró-Kiev tomarem posições em seu interior. Horas após o ataque, ainda não havia policiais presentes.
Num posto de checagem a alguns quilômetros de distância, onde estavam dezenas de militantes pró-Rússia fortemente armados, uma van branca se aproximou. De dentro dela, outro corpo foi atirado na rua.
Não foi possível falar com Semenchenko ou outros membros de sua milícia naquela noite, mas as pessoas que controlam a conta do grupo no Facebook negaram boatos de que ele tivesse sido capturado ou morto.
Mais de um mês antes, quando a milícia foi formada, Semenchenko disse que seus homens não estavam preparados para enfrentar militantes em Slovyansk ou em outros redutos de apoio à Rússia. "Não vou levar meus soldados para lutar se eles não estão prontos", disse na época. Mas outros no grupo pareciam estar ansiosos para entrar em ação. "Sacrificamos a Crimeia sem que fosse disparado um único tiro", comentou o veterano militar Andrey Gobzhelyan, 45. "Desta vez vamos ter que atirar."
Reportagem do The New York Times, reproduzida na Folha de São Paulo.
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