Análise: Irã apega-se a pequenos gestos em meio à fadiga com revolução
SHERVIN MALEKZADE
ESPECIAL PARA A FOLHA
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Enquanto iranianos se reúnem em suas casas para assistir à Copa, 1 milhão de jovens estão ausentes das festividades, estudando para o konkoor, o temido vestibular anual universitário.
As tentações da Copa não poderiam vir em momento pior. O que enfrentam é cruel: um ano de preparação para um exame de quatro horas para entrar na faculdade.
Mesmo que passem, os estudantes não têm como saber com antecedência em que universidade conquistarão vaga e nem se poderão se matricular em seu curso preferencial (a classificação obtida determina as duas coisas).
O que é sabido é que quase todos concluirão sua educação universitária sem garantir um emprego.
Espantosos 45% dos jovens com diplomas universitários estão desempregados –proporção duas vezes superior à média nacional iraniana.
Dotados de qualificações excessivas e desempregados, a maioria dos formandos continuará a viver com os pais e encontrará empregos não relacionados a seus diplomas.
O grande mistério é que a despeito da indignação sobre a incapacidade do sistema educacional iraniano de canalizar os formandos para a força de trabalho, a demanda por educação superior continua insaciável.
Desde 2005, a porcentagem de jovens dos 18 aos 24 anos que fazem cursos superiores quase triplicou, subindo de pouco mais de 20% para os atuais 55% –demanda alimentada em parte pelo governo Mahmoud Ahmadinejad (2005-13), determinado a estabelecer sua reputação populista via educação.
Por que participar de um sistema no qual as chances parecem estar contra você? É uma questão que pode ser apresentada quanto a outras áreas que não a educação.
Nos últimos anos, pudemos observar os iranianos participando de toda espécie de "jogos", educacionais (fazer faculdade para ter um emprego), políticos (votar em eleições) ou atléticos (a Copa), a despeito de as chances de sucesso, em todos os casos, serem próximas de zero.
Pouco mais de um ano atrás, 18 milhões de iranianos (70% da população em idade de votar) participaram das eleições presidenciais.
Ainda que pesquisas apontassem que muitos acreditavam que o resultado da eleição estava predeterminado, a maioria levou Hassan Rowhani à Presidência.
A participação política pode ser explicada. Decepção e fadiga com uma revolução que continua apegada a grandes e canhestras promessas levaram muitos iranianos a buscar vantagens no que é pequeno e administrável.
Um diploma dificilmente resulta em emprego, da mesma forma que votar em Rowhani dificilmente resulta em democracia ocidental.
São duas oportunidades incertas de progresso. Mas não participar representaria uma certeza de fracasso.
Algo semelhante acontece quanto à seleção de futebol. Não é insignificante que a equipe tenha se classificado para a Copa dias depois da eleição, resultado que levou às ruas multidões que eclipsaram até mesmo as celebrações da vitória de Rowhani.
Todo iraniano sabe que as chances de a seleção nacional passar da primeira fase, quanto mais ganhar a Copa, estão perto de zero. Isso não significa que o país vá desligar a TV quando o Irã jogar.
SHERVIN MALEKZADEH é professor-assistente visitante do Swarthmore College, nos EUA
Reprodução da Folha de São Paulo.
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