Mossul, a segunda maior cidade do Iraque, cercada por campos petrolíferos, caiu nas mãos do EILL (Estado Islâmico no Iraque e no Levante) na terça-feira (10). Os jihadistas que alegam pertencer a esse grupo, inspirado na Al Qaeda, realizaram nas últimas semanas uma série de ofensivas contra cidades sunitas, com atentados suicidas e tomadas de reféns, desafiando as autoridades de Bagdá, que se revelaram completamente assoberbadas pela dimensão e pela violência desses ataques. Na quarta-feira de manhã, 500 mil civis fugiram da cidade, segundo a Organização Internacional de Migração.
Diante de combatentes versados em táticas de guerrilha urbana, que manejam o lança-foguetes tão bem quanto um carro-bomba, o Exército regular iraquiano não resistiu por muito tempo em Mossul. Se sua vitória se confirmar no norte do Iraque, o EIIL não representará mais somente o nome de um grupo, mas sim um território bem real que não para de se estender, desde as províncias iraquianas de Anbar, Nínive e Salaheddine até o nordeste da Síria.
De todos os ataques conduzidos no Iraque pelo EIIL desde a tomada de Fallujah, seis meses atrás, o que foi feito contra Mossul foi o mais impressionante e o mais determinante. Os jihadistas iniciaram o ataque na manhã de sexta-feira (6), na entrada ocidental da cidade. Segundo testemunhos concordantes de moradores, a vitória deles começou a se tornar aparente já à tarde. Por volta das 16h, um caminhão-cisterna repleto de explosivos se chocou contra a fachada de um grande hotel que servia como caserna militar, matando dezenas de soldados que estavam reunidos ali na expectativa de uma contra-ofensiva.
Deserções em massa
A violência, conjugada ao efeito surpresa, teria levado à debandada do Exército e a deserções em massa. Os prédios da Polícia Federal foram incendiados ou abandonados, intactos, com armas e documentos, aos agressores. À noite, estes já controlavam grande parte da margem oeste do rio Tigre, que divide a cidade em duas.
Eles continuaram seu avanço, atravessando o rio na terça-feira de manhã sem encontrar outra resistência que não a das unidades de elite do Exército iraquiano que, sozinhas, não bastaram. O EIIL se apossou das prisões da cidade e de seus arredores. No total, milhares de detentos foram libertados, somando ao caos e ao pânico.
Mas, paralelamente, o EIIL tem tentado cuidar de sua imagem junto às populações locais. Mensagens transmitidas pelos alto-falantes das mesquitas avisaram os habitantes que aqueles que tentassem saquear ou arrombar bancos ou prédios públicos seriam severamente castigados. As famílias foram convidadas a ficar e "suportar a situação por alguns dias". O medo, os bombardeios nos bairros do oeste, a falta de água e de energia convenceram milhares de habitantes desse vilarejo, com uma população de 1,5 milhão, a fugirem para a província vizinha do Curdistão iraquiano.
Após a queda de Mossul, dezenas de outros vilarejos caíram, às vezes sem que nenhum tiro tivesse sido disparado. Dessa forma, os jihadistas tomaram Al-Sharkat, seu aeroporto militar e dois helicópteros que ali se encontravam, segundo uma declaração do EIIL. A base militar de Ghezlani, que continha artilharia pesada, também passou para o controle deles, bem como Al-Awja, vilarejo natal de Saddam Hussein.
Baiji, estratégica em razão de suas refinarias de petróleo, ou ainda Rabia, na fronteira síria, que permite controlar o envio de combatentes e de armas entre os dois países, estão também nas mãos do EIIL. E a lista não para de crescer...
Em meio a sua irresistível ascensão nos últimos meses, o EIIL teve de moderar suas ambições na Síria. O grupo ali foi enfraquecido por combates fratricidas contra jihadistas sírios da Frente Al Nusra e sofreu vários reveses diante de uma coalizão de brigadas rebeldes contrárias ao regime sírio, mas que fizeram da luta contra o EIIL uma prioridade momentânea na esperança de obter ajuda militar ocidental.
Em compensação, no Iraque, o EIIL conseguiu se impor fazendo alianças com certas tribos sunitas locais, absorvendo-as para dentro de sua estrutura, buscando ao mesmo tempo em seu contingente de combatentes estrangeiros para multiplicar os atentados suicidas. Foi assim que um francês, "Abou al-Kakaa al-Françaoui", seu nome de guerra, se matou em uma explosão em Mossul no dia 19 de maio, em frente a um posto da Polícia Federal.
"Vingança de Deus"
Segundo o xeque Rafaa Mechine al-Joumayli, chefe de uma grande tribo de Anbar que diz ser líder militar do EIIL, existe uma cooperação estreita entre o EIIL, chefes de tribos sunitas, ex-oficiais do partido Baath, do exército de Saddam Hussein, e pequenos grupos islamitas, reunidos dentro de "conselhos militares revolucionários".
"Temos divergências ideológicas," reconhece o xeque durante uma entrevista por telefone concedida ao "Le Monde", "mas, temos os mesmos objetivos". O inimigo principal, ele afirma, é somente o regime autoritário do primeiro-ministro xiita Nouri al-Maliki.
Ao conduzir uma política sectária contra os sunitas (minoritários, mas detentores do poder central até a queda de Saddam Hussein em 2003), este último exerceu um papel considerável na radicalização das tribos locais. Diante das manifestações e depois da insurreição das cidades sunitas, esse dirigente de pulso firme não hesitou em enviar milícias xiitas mais bem treinadas e armadas do que o Exército regular, mas tão extremistas em seus discursos e métodos quanto seus inimigos jihadistas sunitas.
Por fim, a "estratégia" governamental que consiste em conduzir bombardeios intensivos, às vezes com barris de explosivos à la Bashar Assad, contribuiu para empurrar as populações locais sunitas para os braços do EIIL. Segundo um morador de Mossul, que fugiu de sua cidade, "há anos as milícias de Maliki nos insultam e nos atacam em suas barricadas. Agora, elas querem nossa ajuda contra o EIIL? É a vingança de Deus que se abateu sobre suas cabeças!"
Nouri al-Maliki pediu ao Parlamento que decrete estado de emergência e garantiu que consegue retomar Mossul "em 24 horas". Enquanto isso, ele reorganizou o Exército, concentrando a maior parte das forças dentro e no entorno da capital, Bagdá. O Iraque está à beira de um colapso.
Reportagem de Cécile Hennion, para o Le Monde, reproduzida no UOL.
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