segunda-feira, 3 de agosto de 2015

Viagem de Yoani: do favelão cubano para o mundo

Os simplificadores pastam nas pradarias do mundo inteiro sem fazer a digestão.
Os ruminantes refletem enquanto ativam seus estômagos.
Já estive duas vezes em Cuba. Tudo o que digo eu vi com estes olhos que, infelizmente, a terra há de comer.
Por onde começo? Não sei. Vi o documentário “A viagem de Yoani”. Fui a Cuba duas vezes. Marquei a minha opinião num texto que circulou muito na internet: “Inferno no paraíso”. Cuba é uma favelão no Caribe. Culpa de quem? Do socialismo dos irmãos Castro ou do bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos? Certamente dos dois. Yoani veio ao Brasil depois de ter penado para conseguir autorização. Foi recebida pela esquerda ainda comunista como mercenária e traidora. Já a direita, com Jair Bolsonaro e Ronaldo Caiado à frente, saudou-a como representante da liberdade contra o totalitarismo.
Yoani Sanchez, a bloqueira cubana de “Geração Y”, mostrou bastante equilíbrio em meio ao fogo cruzado. Num momento interessante do filme, explicou a diferença de olhares sobre Fidel e Che Guevara: se um jovem, em Berlim ou no Rio de Janeiro, quer mostrar sua inconformidade com o “sistema”, veste uma camiseta com uma estampa de Fidel ou de Che Guevara. Em Cuba, no entanto, enfatizou, Fidel e Che são apenas os símbolos do poder. No Brasil, Yoani não ficou apenas entre a apropriação indébita da direita e o ódio da esquerda stalinista. O então senador Eduardo Suplicy acolheu-a em nome dos que acreditaram em socialismo com liberdade. Tudo isso me fez pensar numa conversa que tive, em Havana, num bar, com o grande escritor Pedro Juan Gutiérrez, outro duro crítico do regime. Ele me detalhou o absurdo kafkiano de ter de pedir autorização para viajar ao exterior. Marcas de uma prisão a céu aberto com a população tutelada e mantida sob vigilância permanente.
Desde 2013, os cubanos encontram mais facilidades para sair. O reatamento das relações com os Estados Unidos deve tornar as coisas ainda mais fáceis. Yoani declarou-se “pós-moderna”, sem partido político ou ideologia e moderada. Estou com ela. De resto, na minha modesta situação, lembrei-me de quando briguei com Luis Fernando Verissimo e fui declarado inimigo público pela esquerda. Passei a ser cortejado por pessoas que, pouco antes, nem sabiam da minha existência. Idiota, eu achava que estavam encantadas com o meu talento. Levei anos para perceber que só queriam me usar contra LFV. Eu continuava não existindo para elas. Achavam legal ter um doutor formado na Sorbonne como instrumento contra o “cronista comunista”.
Yoani está noutro patamar. Sabe que a direita quer se aproveitar dela. Vira o jogo. Aproveita-se dos aproveitadores. O seu ponto de vista é inatacável: quer liberdade na ilha. A começar por liberdade de expressão. Em 2015, o paraíso dos Castro bateu recorde de prisões de “contestadores” do regime: 8.899 detenções temporárias segundo a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional, aumento de 38% em relação a 2013. Esses números não transformam Caiado e Bolsonaro em democratas no Brasil. Aprendi uma diferença essencial entre mim e Yoani (sou egocêntrico, sempre me coloco no centro do mundo): ela é muito inteligente. Por que digo isso? Driblou as armadilhas com astúcia, firmeza e brandura. A internet vai acabar com a ditadura cubana. Assim como as revistas de mulher e de homens pelados acabarão com o fundamentalismo islâmico.
Nas pradarias, os ruminantes engordam.

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