Nosso colunista Leonardo Mendes foi cobrir o protesto no Rio. Abaixo, seu relato:
Mark é da Nova Zelândia e parecia confuso em meio à pequena multidão verde-amarelo.
Mark é da Nova Zelândia e parecia confuso em meio à pequena multidão verde-amarelo.
Bebia uma caipirinha e sambava em um quiosque no calçadão da Av. Atlântica em Copacabana, ao som do trio elétrico manifestante que passava por ali.
Perguntei se ele entendia o que o homem com o microfone falava e ele disse que entendia um pouco de português, mas que mesmo sem entender a festa estava linda.
Tocavam agora no trio elétrico tambores e a multidão cantava “Fora Dilma! Fora Dilma!”, e eu me despedi de Mark, que sambava outra vez fora do ritmo.
A festa estava animada, não muito cheia, talvez com menos da metade da última em abril.
Muitas famílias, que outra vez capricharam no protetor solar 60 e looks verde-amarelos e repetiam os mesmos mantras: pela intervenção militar, impeachment, renúncia, contra o Foro de São Paulo, o bolivarianismo, em apoio ao juiz Sergio Moro, à Polícia Federal, à Polícia Militar…
Representantes de movimentos e organizações que se apresentam nesses protestos faziam também os mesmos discursos vistos em março e abril, com as mesmas reações do público.
Lembrei então da música “Domingo”, dos Cavaleiros Marginais, que parecia especialmente feita para esse dia: “E a gente de tanto se repetir, não vai notar, que a gente de tanto se repetir não vai notar”.
Seu Joaquim vem de Visconde de Mauá para as manifestações em Copacabana vender camisas com o lema “Renúncia já!”, e lamentava a baixa nos negócios.
“Na primeira, em março, vendi muito, na outra em abril foi mais fraco e nessa agora vendi só cinco, mas ainda é cedo, tenho esperança que melhore. A renúncia é o melhor para todos”.
Já o casal de moradores do Leblon, o corretor Macelo e a design Luciana, acreditam que só mesmo a intervenção militar pode salvar o Brasil.
“Primeiro fecharia o Congresso, prenderia todos os corruptos, depois viria um tempo de lei marcial pra ordem se estabelecer”, diz Luciana, com um sorriso no rosto.
“Primeiro fecharia o Congresso, prenderia todos os corruptos, depois viria um tempo de lei marcial pra ordem se estabelecer”, diz Luciana, com um sorriso no rosto.
Pergunto sobre quais as medidas que os militares deveriam então tomar nas áreas de educação, saúde, economia, segurança. “Olha, pra segurança, eu acho que, como é mesmo o nome, não é esterilização…”
O marido a ajuda dizendo que é controle de natalidade. “Evitar que gente que não tenha condição faça oito, dez filhos, é esse o problema da segurança”.
Nesse momento o carro de som com o Batman e um delegado de polícia passava por ali e tive que interromper a entrevista. O delegado fazia um discurso sobre a necessidade de prender o chefão da quadrilha, o capo, o meliante mor, e outros adjetivos a uma figura que ele preferiu não identificar, talvez com medo de ser processado.
Deparo-me então com uma mulher exótica, de lábios gigantescos e artificiais, pele esticada, chapéu preto, que me entrega um panfleto contra o PL 1775. Ela me conta que esse projeto é mais um retrato do bolivarianismo do governo, que quer controlar as pessoas por um chip, que substituiria serviços de cartório, como já acontece, segundo ela, em Cuba e na Venezuela. Pergunto o seu nome e ela prefere não se identificar. Pergunto em que ela trabalha, e prefere também não dizer.
Encontro em seguida uma família muito animada, três gerações dos Almeida de Lima. O patriarca, seu Alfredo, engenheiro aposentado, gritava que esse domingo entraria para a história. “Um divisor de águas, a gente já viu que se depender de político isso não vai dar em nada, é isso aqui que muda as coisas, o povo na rua”.
Pergunto então o que viria a seguir, quais as primeiras medidas do novo governo, assim que ele e o seu povo assumissem o poder.
“Seriam pessoas honradas que saberiam o que fazer, frente aos desafios”.
“Seriam pessoas honradas que saberiam o que fazer, frente aos desafios”.
E quais são os desafios?
“Você acha que eu sou idiota, não acha?”
Respondi que não estava ali para julgar.
“Mas tá pra depois tirar sarro da minha cara, me chamar de paneleiro coxinha ignorante”.
Respondi que na verdade gostaria de entendê-lo melhor, que é isso o que me atrai no jornalismo.
“O que vocês fazem é apologia ao crime, mas esse é o bom da democracia. Você acha que eu sou um paneleiro idiota e eu acho que você defende criminosos”.
Disse que defendo apenas alguns criminosos, os que infringem leis injustas, como os negros que lutaram contra a lei do apartheid na África do Sul.
“Vai pra Cuba!”
Vou embora, atrás de respostas melhores.
Consegui algumas, mas as palavras do senhor Alfredo ainda ecoavam em mim. Estaria eu em busca apenas de idiotas naquela manifestação, ou, de fato, eu só encontrava idiotas?
Eis então que vejo duas senhorinhas com a bandeira do Brasil e um cartaz escrito “Não tenho partido, tenho ideais! Luto pela educação” e me encho de esperança.
Eram as professoras Inês e Sônia, que, em parte, compartilhavam meus sentimentos.
“Tem que investigar todos os partidos, a culpa não é de um só, não quero impeachment, intervenção militar. Quero democracia, mas tem que vir pra rua e lutar por ideais, eu estou aqui lutando pelos meus ideais, principalmente educação. Acompanho as greves, acompanho a política, e a gente tem que entender e lutar pra mudar as coisas”.
Tive vontade de dar um abraço em dona Inês. Mas ainda assim, foi uma exceção.
Que talvez confirmasse a regra de que não há como separar esses protestos de uma parcela bem específica da sociedade.
De uma classe média muito mais preocupada em enriquecer do que com medo da pobreza. Que tem medo é de quem é pobre, quando cruza na calçada. E que de tanto sentir medo, alimentou um ódio que se realiza cada vez que grita e bate panela, ou imagina pobres esterilizadas como programa de segurança.
Pessoas que precisam de um abraço e de muito mais discernimento.
Reprodução do Diário do Centro do Mundo.
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